TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL genética, previstos nos n. os 1 e 3 do artigo 26.º da CRP, e se revela uma solução profundamente desproporcional e desadequada, o que afronta o n.º 2 do artigo 18.º da CRP. Ora, conforme bem refere Fátima Galante, pelas mesmas razões e fundamentos, não pode negar-se o direito do filho a conhecer a identidade da mãe portadora nos casos de gestão de substituição, ou seja, não tendo a mulher portadora fornecido o ovócito utilizado, afigura-se de admitir, autonomamente, a concessão ao indivíduo gerado da faculdade de obter informação não apenas em relação aos dadores (sobretudo tratando-se de terceiros), mas também, e considerando a importância da relação que a mulher estabelece com o feto durante os nove meses de gravidez, respeitante à identidade da mulher portadora. A este respeito refere Antunes Varela: “ …entre a mulher que amadurece no seu útero o ovócito fornecido por uma outra mulher e a criança que nasce do seu ventre há um elemento real de importância capital na relação de filiação, que é a vida intrauterina do embrião, a ligação intensa permanente entre o ser que se forma e o corpo humano que dentro das suas entranhas lhe dá vida ”. O direito ao conhecimento do património e identidade genéticos não configura um enfraquecimento na defesa do direito à intimidade e à reserva da vida privada. Estamos perante direitos fundamentais, consagrados constitu- cionalmente, com igual dignidade e idêntico valor normativo, impondo-se, nesta linha de raciocínio, avaliar, à luz do disposto no artigo 18.º, a constitucionalidade das restrições. Se o disposto no artigo 8.º, conjugado com o artigo 15.º, não oferece margens para dúvidas quanto à violação dos ditames constitucionais relativamente à salvaguarda do direito à identidade (estamos perante uma proibição absoluta de conhecimento da identidade da mulher portadora), já o regime mitigado de anonimato dos dadores impõe mais algumas considerações, particularmente tendo em conta o argumentário jurídico-constitucional do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 101/09. O direito ao conhecimento da origem genética faz parte da identidade da pessoa nascida destas técnicas, da sua personalidade, da sua historicidade pessoal, independentemente da ausência de relação de afetividade. Diz Stela Barbas, o ser humano “… tem direito à identidade genómica. Não pode haver dois tipos de pessoas: as que podem conhecer e as que não podem conhecer as suas raízes genómicas ”. Ao permitir-se – ou permitir-se prioritariamente – ao filho o direito de conhecer e saber a sua verdadeira identi- dade genética e biológica, tal não constitui uma diminuição ou discriminação da filiação jurídica nem de quaisquer outros direitos a ela inerentes: o reconhecimento da origem genética ou biológica não contende com a filiação havida, pelo que não implica qualquer direito ou dever paterno ou materno relativamente àquele cuja origem se investiga. Efetivamente, respeita-se e salvaguarda-se de forma equilibrada, no estrito cumprimento das diretrizes constitucionais, os vários direitos fundamentais em tensão. Estamos a falar de um mero conhecimento, é certo, mas de um conhecimento fundamental de modo a que a ninguém seja vedada a possibilidade de conhecer a própria história e reafirmar a sua individualidade. Refletindo, agora, sobre o direito a constituir família e à intimidade da esfera pessoal, comungam os requeren- tes da opinião do Conselheiro Benjamim Rodrigues, particularmente relevante em matéria de “gestação de subs- tituição”, quando diz que “s e não existem dúvidas que a Constituição reconhece o direito de ter filhos a quem os pode gerar (artigo 68.º), não vemos que ela reconheça qualquer direito fundamental o quem só os possa obter através da doação de terceiros, dado que não se trata de uma prestação que o Estado possa reclamar de terceiros ou satisfazer diretamente ” [declaração anexa ao Acórdão n.º 101/09]. Mais, “… se é certo que a realização dos projetos a ter filhos cabe nas faculdades inseridas no direito ao desenvol- vimento da personalidade, não pode desconhecer-se que esse direito se realiza mediante a geração de uma pessoa e que é intolerável que a proteção da pessoa nascida esteja avassalada aos direitos de quem decidiu que ela havia de nascer, privando-a de um conhecimento essencial de verdade do seu ser ”. Especificamente quanto ao direito da intimidade da esfera pessoal – estando em causa o dador ou mesmo a “gestante de substituição” –, igualmente se acompanha no pedido a opinião do Conselheiro Benjamim Rodrigues quando diz que “ não constituindo o objeto de proteção um comportamento cujos efeitos se esgotem dentro da esfera da

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