TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
71 acórdão n.º 225/18 reconhecida a todo o indivíduo, de investigar judicialmente a maternidade e a paternidade, com o objetivo de lograr a coincidência entre vínculos jurídicos e biológicos. O reconhecimento desta faculdade não pode deixar de considerar-se como o ponto fulcral da tutela conferida ao direito, na medida em que a sua efetivação permite ao sujeito, não só aceder à identidade dos progenitores como retira dessa informação todos os efeitos que o ordenamento jurídico determina serem decorrentes da relação de filiação. O direito ao conhecimento das origens genéticas imporá, assim, ao legislador ordinário a consagração de soluções que não constituam entraves exagerados a essa investigação, apontando para um princípio de imprescritibilidade do direito a investigar, tendência, aliás, generalizada nos ordenamentos jurídicos próximos do nosso ” (itálicos no original e itálicos nossos). No mesmo sentido, concretamente no que diz respeito à PMA, referem Jorge Miranda e Rui Medeiros que “ (A) solução legal que permite a revelação da identidade do dador quando se verifiquem ‘razões ponderosas’ deverá, em qual- quer caso, merecer uma interpretação conforme ao direito ao conhecimento das origens genéticas, não podendo legitimar leituras excessivas e injustificadamente restritivas da possibilidade de revelação da identidade do dador ou dadora (…)”. Ora, o direito ao conhecimento das origens genéticas assume considerável importância no que concerne à PMA de cariz heterólogo – ou seja, com gâmetas de terceiros – e assume-o preponderantemente nesta lei, uma vez que a inseminação heteróloga passa a ter um campo de aplicação muito mais alargado, precisamente porque deixa de ter um caráter subsidiário, para passar a ser um método alternativo de procriação, como facilmente se depreende do disposto nos artigos 4.º, n.º 3, e 6.º, n.º 1. A questão que se coloca é então a de saber, não se é constitucional um regime legal de total anonimato do dador, mas se é constitucional estabelecer como regra o anonimato dos dadores e como exceção a possibilidade de conhecimento da sua identidade. Está em jogo o peso relativo que o direito à identidade pessoal merece e a importância que a lei lhe dá no regime que institui vis-à-vis o direito a constituir família e o direito à intimidade da vida privada e familiar. Importa, pois, perceber se as restrições que se consagram respeitam, ou não, o princípio da proporcionalidade, tal como decorre do artigo 18.º, n. os 2 e 3, da CRP. Dito isto, não se ignora que a lei da PMA não estabelece uma proibição absoluta de revelação da identidade dos dadores, mas apenas uma regra que prima facie admite exceções – vide artigo 15.º, n.º 4. Tal como também não se ignora que, em 2009, através do Acórdão n.º 101/09, o Tribunal Constitucional, instado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade material destas mesmas normas, ou seja, o artigo 15.º, n. os 1 e 4, conjugado com as normas constantes do artigo 10.º, n. os 1 e 2, decidiu no sentido da não inconstitucionalidade, considerando que a opção do legislador, ao estabelecer um regime mitigado de anonimato dos dadores, é inteiramente justificada face à necessidade de preservação de outros valores constitucionalmente tutelados, como seja o direito a constituir família e a decorrente necessidade de preservação da paz e da intimidade familiar. Os signatários do pedido consideram que a “mudança de paradigma” trazida pela Lei n.º 17/2016, de 20 de junho, bem como o alargamento do regime à “gestação de substituição” aprovado pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, trouxeram indubitavelmente uma nova atualidade e premência à questão do conhecimento da identidade genética das crianças geradas por via de PMA, nomeadamente, por via de inseminação heteróloga, não só pela universalidade – no limite, todos podem nascer por recurso a tais técnicas – mas também pela imperatividade e clareza do preceito constitucional, grosseiramente violado e genericamente afastado pela lei. No caso da “gestação de substituição”, há, inclusivamente, uma situação que, face aos direitos e interesses em jogo, não pode deixar de se apontar, configurando mais um aspeto que em nosso entender sustenta a tese da inconstitucionalidade por violação do direito à identidade, da dignidade da pessoa humana e da proteção da infân- cia. De facto, se no que se refere aos dadores, a lei lhes confere particular atenção, consagrando um regime mitigado de anonimato nos termos do disposto no artigo 15.º, n. os 1 a 4, no que se refere à “gestante de substituição”, a lei não confere idêntico tratamento, porquanto a regra do sigilo e do anonimato prevista o n.º 1 é, neste caso, abso- luta, não admitindo qualquer exceção. Com efeito, não abrangendo o n.º 4 do artigo 15.º a identidade da “gestante de substituição”, mas apenas a dos dadores, cujo enquadramento, balizado no artigo 10.º, se afasta destas situações, estamos evidentemente perante uma proibição absoluta do acesso à identidade de todas as mulheres que assumam o papel de gestantes de substituição, o que viola flagrantemente os direitos à identidade pessoal e identidade
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