TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
706 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL legislador ordinário uma ampla margem de liberdade na conformação dos requisitos e condicionalismos ao recurso das decisões judiciais, não resultando da Constituição a garantia de acesso das partes a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Cabe referir que, sempre que se pronunciou sobre normas do sistema de recurso consagrado no CIRE, o Tribunal afirmou invariavelmente o espaço geral de discricionariedade legislativa neste domínio (cfr. Acórdãos n. os 340/11, 328/12, 69/14, 258/14, 396/14, 585/14, 26/15 e 280/15). E que, nos casos em que, em função da questão a dirimir e dos seus efeitos, foi formulado juízo de desconformidade constitucional, estava em discussão o acesso a uma segunda apreciação jurisdicional do litígio, assegurada no caso vertente pela intervenção do tribunal da relação (cfr. Acórdãos n. os 328/12, 585/14 e 280/15). 8. A apontada margem de liberdade do legislador não é, por certo, ilimitada. Para além de não poder suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer – limite que decorre da própria previsão constitucional de tribunais superiores – como em qualquer domínio normativo, a regulação dos meios de impugnação das deci- sões judiciais encontra-se sujeita ao respeito pelos princípios estruturantes do Estado de Direito democrático. Na síntese, novamente, do Acórdão 197/09: «O Tribunal Constitucional sempre tem entendido que se o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respetiva regulamentação não lhe é consentido adotar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerarse vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade. Como se referiu no Acórdão n.º 628/05, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois “tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejamse os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 1229/96 e 462/2003 (…)”. O recorrente coloca-se justamente na procura de sindicância da medida legislativa de limitação do recurso de revista em processo de inventário aos casos de oposição de julgados perante os princípios da igualdade e da pro- porcionalidade, pois dirige-lhe a critica de arbitrariedade e desproporcionalidade. Mostra-se, porém, patente que a norma questionada não ofende tais parâmetros de constitucionalidade. Efetivamente, a norma sindicada não se mostra arbitrária, encontrando justificação, nos termos da exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, no propósito de racionalização do sistema e de “rápida estabilização das decisões judiciais”, necessidade que “se faz sentir com particular intensidade” no processo de insolvência, pelo respetivo relevo para o tráfego jurídico, em consonância as razões de celeridade que fundam a atribuição de urgência e precedência sobre o serviço ordinário do tribunal, contida no n.º 1 do artigo 9.º do CIRE (sobre a especificidade do processo de insolvência e as necessidade de celeridade, vd. Acórdãos n. os 556/2008 e 609/2013). Nessa medida, a limitação do direito de recurso a um grau apenas, salvo nos casos de oposição de acórdão em matéria relativamente à qual inexista uniformização de justiça, não se mostra desprovida de motivação racional e côngrua com o direito dos cidadãos a uma tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações dos direito, liberdade e garantias pessoais (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição). Por outro lado, não se vê que a apontada opção legislativa padeça de desproporcionalidade, mostrando-se, outrossim, adequada, necessária e não excessiva para atingir as finalidades do programa legislativo a que norma em apreço dá execução. 9. Cumpre, pois, concluir que a dimensão normativa questionada não viola o direito de acesso aos tribunais e de tutela efetiva, consagrados no artigo 20.º, n. os 1 e 5, da Constituição, nem quaisquer outros parâmetros cons- titucionais.» 3. Não foi apresentada resposta. Cumpre apreciar e decidir.
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