TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

70 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Seguidamente, os requerentes enunciam os fundamentos que, em seu entender, justificam um juízo positivo de inconstitucionalidade sobre as normas indicadas no pedido: «Da violação do direito à identidade pessoal donde decorre um direito ao conhecimento da sua ascendência genética De acordo com o disposto na lei (vide artigo 15.º, com a epígrafe “confidencialidade”) é assegurado o anoni- mato a todos os terceiros dadores de material genético com vista a possibilitar a fecundação da mulher. A regra é, pois, a da não revelação da identidade do doador à pessoa que nasce de técnica de reprodução assistida heteróloga, a menos que sobrevivam razões ponderosas reconhecidas por sentença judicial (vide artigo 15.º, n.º 4). Do ponto de vista jurídico-constitucional, estamos, portanto, perante um conflito de direitos fundamentais. Por um lado, o direito de pessoa nascida de PMA à sua identidade pessoal, donde decorre um direito ao conheci- mento da sua ascendência genética (art. os 26.º/ 1 e 3 da CRP) e, por outro lado, o direito a constituir família e o direito à intimidade da vida privada e familiar (previstos respetivamente nos art. os 36.º/1 e 26.º/1 da CRP). Atento ao disposto na Constituição da República Portuguesa, o direito à identidade pessoal enquanto direito pessoal consiste no seguinte: “V – A identidade pessoal é aquilo que caracteriza cada pessoa enquanto entidade individualizada que se dife- rencia de todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal. Num sentido muito amplo, o direito à identidade pessoal abrange o direito de cada pessoa a viver em concordância consigo própria, sendo, em última análise, expressão da liberdade de consciência projetada exteriormente em determinadas opções de vida. O direito à identidade pessoal postula um princípio de verdade pessoal. Ninguém deve ser obrigado a viver em discordância com aquilo que pessoal e identitariamente é. O direito à identidade pessoal liga-se, ainda, à proibição da discriminação do artigo 13.º, n.º 2 da Constituição, pois as caracte- rísticas aí identificadas são, na sua generalidade, constitutivas da identidade pessoal. VI – A identidade genética própria é uma das componentes essenciais do direito à identidade pessoal, (...)” – Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada , 2.ª Ed. (maio 2010), Tomo I, p. 609. Também enquanto direito de personalidade, mas num enfoque mais socializante, outros autores consideram o direito à identidade pessoal como um direito à historicidade pessoal que se traduz designadamente num direito ao conhecimento da identidade dos progenitores: “O direito à historicidade pessoal designa o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores (cfr. Ac. TC n.º 157/05), podendo fundamentar, por exemplo, um direito à investigação da paternidade ou da maternidade, mesmo em alguns casos em que, prima facie , a lei parece estabelecer a preclusão do direito de acionar nas ações de investigação de paternidade (cfr. Acs TC n. os 456/03, 525/03 e 486/04). Problemático é saber se isso implica necessariamente um direito ao conhecimento da progenitura, o que levanta dificuldades no caso do regime tradicional da adoção e também, mais recentemente, nos casos de inseminação artificial heteróloga e nos casos das «mães de aluguer». Neste sentido, o direito à identidade pessoal postularia mesmo o direito à identidade genética como seu substituto” – Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da Repú- blica Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª Ed. (2007), Vol. I, p. 463. Desta forma, o direito à identidade abrange a historicidade pessoal, facultando-se ao titular o direito ao conhe- cimento das circunstâncias em que foi gerado e das pessoas que determinaram biologicamente a sua existência. A proteção da personalidade exige que o direito tutele o direito à verdade, o direito ao conhecimento das ori- gens genéticas, de modo a que, em última instância, seja preservada a própria identidade pessoal do ser humano. Podemos assim afirmar – vide Fátima Galante, A adoção: identidade pessoal e genética, Verbo Jurídico, p. 18 – que “... no conteúdo do direito ao conhecimento das origens genéticas deve integrar-se a faculdade, em princípio

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