TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

686 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Este contencioso originou jurisprudência divergente nos tribunais administrativos no que concerne à necessidade de o Infarmed levar em conta direitos de propriedade industrial potencialmente violados pelo medicamento a autorizar (cfr. Remédio Marques, «A arbitrabilidade dos litígios e a dedução de providên- cias cautelares por empresas de medicamentos de referência, na sequência da aprovação de medicamentos genéricos», in Revista de Direito Intelectual, n.º 1, 2014, p. 35), apenas estabilizada após da edição da Lei n.º 62/2011 (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de janeiro de 2013, proc. n.º 0771/12, acessível em www.dgsi.pt , onde se adotou a interpretação segundo a qual não incumbe ao Infarmed negar a Autorização de Introdução no Mercado com fundamento na eventual violação de direitos de propriedade industrial). 8.2. Perante este panorama, o Governo apresentou a proposta de Lei n.º 13/XII (que está na origem da Lei n.º 62/2011), votada a ultrapassar o «estrangulamento» à entrada expedita de genéricos no mercado, gerado justamente por tal litigância (cfr. a respetiva Exposição de Motivos). No diploma, o legislador deixou claro não caber ao Infarmed a apreciação dos direitos de propriedade industrial no seio do procedimento para AIM, não constituindo esse um fundamento para indeferimento da autorização (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º do RJMUH, na redação introduzida pela Lei n.º 62/2011 e que, nos termos do seu artigo 9.º, tem natureza interpretativa). Firmou-se, desse modo, uma separação entre o procedimento de autorização de introdução no mercado e o sistema de proteção dos direitos de propriedade industrial. Na verdade, por força daquele ato legislativo, o RJMUH passou a estatuir, no artigo 23.º-A, que o procedimento administrativo que conduz à concessão de uma AIM «não tem por objeto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial» e, no n.º 2 do artigo 25.º, que «o pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial». Como já referido no Acórdão n.º 2/13, as autorizações de introdução do mercado não levam em conta eventuais direitos de propriedade industrial conflituantes com o medicamento a autorizar, «nem as mesmas podem ser alteradas, suspensas ou revogadas, pelas respetivas entidades emitentes, com base na eventual existência desses direitos». Na expressão do referido aresto, «[o] legislador infra-constitucional, no quadro da sua liberdade de conformação enquadrada, no que à transposição do Direito da União Europeia diz respeito, pelo princípio da subsidiariedade, consagrou (ou clarificou), por via da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezem- bro, uma opção legislativa segundo a qual não se faz depender a procedência do procedimento conducente à obtenção de uma AIM, bem como a alteração, suspensão ou revogação desta, da verificação da existência de direitos de propriedade industrial – podendo coexistir, em consequência, ato autorizativo de introdução no mercado, e correspondente AIM, e direitos de propriedade intelectual sob uma das formas permitidas por lei, em especial patentes (de processo, de produto ou de utilização) ou certificados complementares de proteção para medicamentos [cfr., respetivamente, artigos 51.º e seguintes e 115.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial (CPI)]». O que significa que o ato administrativo de autorização é estabelecido «em termos puramente técnicos, prevendo apenas que a autoridade nacional verifique a qualidade, segurança e eficácia do medicamento, não estabelecendo expressamente como requisito a licitude da comercialização do produto, nem elencando entre os fundamentos da avaliação e da recusa da autorização a consideração da existência de patente em vigor» (cfr. Vieira de Andrade, “A proteção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização de medicamentos”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência , Ano 138.º, n.º 3953 p. 75). 8.3. Porém, o legislador não desconsiderou totalmente a relevância, no processo autorizativo, de direitos de patente ou de certificado complementar de proteção incompatíveis com o medicamento requerente da AIM. Por essa razão, desenhou um mecanismo extrajudicial que permite aos respetivos titulares (terceiros ao procedimento autorizativo) invocar um obstáculo legal à exploração comercial ou industrial do medi- camento, de índole distinta daquela que é apreciada pelo Infarmed: a existência de um direito subjetivo

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