TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

682 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL partes, decorre, em regra, um período de tempo considerável, o que permite à Demandada obter mais informação e, eventualmente, equacionar se, efetivamente, existe um verdadeiro interesse em agir da sua parte. 31.º Para além da possibilidade de modificar ou completar a petição inicial no processo arbitra I, entendeu o STJ que o princípio da tutela efetiva não se encontra em causa, dado que a Demandada goza de outros meios de reação, tais como a ação de nulidade ou de anulação prevista no artigo 35.º do CPI. 32.º Em suma, o artigo 3.º da Lei n.º 62/2011 deve ser interpretado no sentido de que “não impede a propo- situra de uma ação judicial contra um fabricante de genéricos fundado numa violação iminente ou atual de um direito de propriedade industrial depois de decorrido o prazo nele fixado, contanto que a patente esteja em vigor.” 33.º Só assim, se conciliam os direitos de defesa garantidos na CRP aos titulares de direitos de propriedade intelectual e aos produtores de medicamentos genéricos, garantindo também o acesso de todos os cidadãos a medi- camentos mais acessíveis e a sustentabilidade do próprio Serviço Nacional de Saúde e do próprio Estado. (artigos 60.º e 64.º da CRP). 34.º E perentório concluir-se que não é inconstitucional a norma do artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, dado que a mesma assegura uma justa ponderação dos bens constitucionais envolvidos. 35.º OTribunal Constitucional já se pronunciou sobre a matéria em crise nestes autos nos acórdãos n. os 2/2013 e 123/2015. 36.º Ao contrário do que pretendem as recorrente, no acórdão n.º 2/2013, o Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre a natureza do prazo de 30 dias previsto na lei para o exercício da ação arbitral, matéria que foi tratada no Acórdão n.º 123/15; apenas declarou inconstitucional a limitação constante do n.º 5 do artigo 188.º do Estatuto do Medicamento, por ter entendido que a norma em questão restringe o direito à informação procedi- mental, constituindo uma restrição inadmissível do direito consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP. 37.º Deste acórdão resulta precisamente o entendimento inverso ao defendido pelas recorrentes no que con- cerne à contagem do prazo de 30 dias para intentar a ação arbitral, a saber, o de que, tal prazo se inicia a partir da publicitação do pedido de AIM e termina ainda antes do prazo previsto para a concessão de AIM. 38.º No Acórdão n.º 123/15, entendeu o Tribunal Constitucional que a dimensão normativa resultante do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, segundo a qual o titular de direito de propriedade industrial apenas pode recorrer à arbitragem necessária, precludindo o recurso direto ao tribunal judicial no que se refere a providência cautelar, não se afigura desconforme com o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º, n. os 1 e 5, da CRP. 39.º O entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 123/2015 depõe, em absoluto, contra a tese defendida pelas recorrentes, pois do mesmo decorre expressamente que (i.) o prazo de 30 dias se conta da publicação do pedido de AIM; (ii.) a arbitragem necessária refere-se apenas à fase pré-decisória do pedido de AIM; (iii.) O titular do direito de propriedade industrial não pode ficar impedido de recorrer à justiça para além daquele estrito momento para obter a tutela jurisdicional contra violações que podem pôr em causa a própria subsistência do direito de exclusivo quando tutelado por uma patente em vigor, face a medicamentos genéricos. 40.º Mesmo numa hipótese de colisão de direitos, haverá sempre que concluir pela existência de uma colisão de direitos legitimadora da solução consagrada pelo legislador. 41.º Há colisão de direitos “sempre que se deva entender que a Constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta. A esfera de proteção de um certo direito é constitucionalmente protegida em termos de intersectar a esfera de outro direito ou de colidir com uma norma ou princípio constitucional.” (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit, 220). 42.º Nos presentes autos, poderá equacionar a existência de uma potencial colisão, por um lado, entre o direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis (artigo 64.º da CRP), o direito dos consumidores (artigo 60.º da CRP), por um lado, o direito à propriedade privada (artigo 62.º da CRP), o direito à liberdade de criação cultural (artigo 42.º da CRP e o direito ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), por outro, e ainda o direito à iniciativa económica privada (artigo 61.º, n.º 1 da CRP). 43.º Refere Vieira de Andrade, “quando ambos se apresentam efetivamente protegidos como fundamentais, será necessário “respeitar-se a proteção constitucional dos diferentes direitos ou valores, procurando a solução no

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=