TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL carecido de proteção. Devem ainda ser tidos em consideração os direitos do/a filho/a à sua identidade pessoal, ao conhecimento das suas origens parentais, bem como a conhecer eventuais riscos para a sua saúde associados aos processos tecnológicos utilizados na sua geração” [Parecer n.º 87/CNECV/2016]. Ora, esta alteração legislativa trouxe, na verdade, uma «mudança de paradigma da utilização das técnicas da PMA» – palavras do CNECV –, pois deslocou o foco de toda a proteção exclusivamente para a mulher, desconsi- derando aquele conjunto de direitos que constitui o mais importante valor a salvaguardar, e em relação aos quais o Estado tem um particular dever de proteção: os direitos da criança. Se o direito a constituir família e a ter filhos é constitucionalmente protegido, também o é o direito a conhecer- -se cabalmente a sua identidade – também a genética – e, entre um e outro, deverá ser o primeiro a ceder, e não o contrário, como sucede nesta lei. Assistimos, pois, a uma substituição do princípio da subsidiariedade – perfeitamente atendível, delimitado e proporcional nas condições até aqui estipuladas – pelo princípio da complementaridade, o que se pode constatar, principalmente, nas seguintes alterações: – O princípio da beneficência é substituído pelo princípio da igualdade perante a lei (apenas para alguns, naturalmente, já que todos poderão ter o direito a ter filhos mas nem todas as crianças terão o direito cons- titucionalmente consagrado a conhecer a sua identidade pessoal e genética); – A PMA deixa de ser regulamentada como um método subsidiário e passa a ser um método alternativo; – O acesso à PMA deixa de ser uma forma de tratamento, em contexto de infertilidade ou doença grave, para passar a ser considerado um direito reprodutivo de toda e qualquer mulher que o deseje, porque lhe apetece, independentemente do estado civil; – Deixa de se privilegiar a correspondência entre a progenitura social e a progenitura biológica, consagrando- -se uma solução jurídica que favorece, de forma desproporcional, a primeira. E é precisamente isto, o centrar da PMA na mulher e num único progenitor, que deixa a descoberto a necessi- dade de maior atenção aos direitos da criança que vai nascer. Ou seja, e dito de outra forma, subscrevemos as afirmações da Conselheira Rita Lobo Xavier, no já citado Parecer do CNECV: “[T]ambém não considero ser eticamente aceitável fazer prevalecer totalmente o interesse da mulher beneficiária das técnicas de PMA sobre os direitos do/a filho/a que virá a nascer, designadamente, no caso da possibilidade de inseminação post mortem” (…). Já no que se refere à gestação de substituição no Parecer n.º 63/CNECV/2012, o CNECV deixou claras quais as condições que considerava deverem constar da lei que passasse a prever o recurso a esta técnica, que, por consi- derarmos relevantes, passamos a enunciar: 1. A gestante de substituição e o casal beneficiário estarem cabalmente informados e esclarecidos, entre outros elementos igualmente necessários, sobre o significado e consequências da influência da gestante de substituição no desenvolvimento embrionário e fetal (por exemplo, epigenética), constando tal esclarecimento detalhado no consentimento informado escrito, assinado atempadamente; 2. O consentimento poder ser revogado pela gestante de substituição em qualquer momento até ao início do parto. Neste caso, a criança deverá ser considerada para todos os efeitos sociais e jurídicos como filha de quem a deu à luz; 3. O contrato entre o casal beneficiário e a gestante de substituição dever incluir disposições a observar em caso de ocorrência de malformações ou doença fetais e de eventual interrupção voluntária da gravidez; 4. A gestante de substituição e o casal beneficiário deverem estar informados que a futura criança tem o pleno direito a conhecer as condições em que foi gerada; 5. A gestante de substituição não dever ser simultaneamente dadora de ovócitos na gestação em causa; 6. A gestante de substituição ter de ser saudável; 7. As motivações altruístas da gestante de substituição deverem ser previamente avaliadas por equipa de saúde multidisciplinar, não envolvida no processo de PMA;

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