TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

667 acórdão n.º 175/18 conferiu uma especial corporização ao princípio, corporização essa que se traduz na necessária ausência de ponde- rações sempre que ocorram casos [de leis tributárias] que sejam retroativas em sentido próprio ou autêntico. Nesses casos – nos quais, recorde-se, se não inclui o presente – não há lugar a ponderações: a norma retroativa é, por força do n.º 3 do artigo 103.º, inconstitucional. Mas tal não significa que, por causa disso, se tenha esgotado ou exau- rido a «utilidade» do princípio da confiança em matéria tributária. Pode haver outras situações – de retroatividade imprópria, ou até de não retroatividade – que convoquem a questão constitucional que é resolvida pela tutela da confiança». Ora, é essa, justamente, a questão de constitucionalidade suscitada pela norma sob fiscalização. Ao adicionar ao pressuposto originariamente previsto para a isenção – destinação do imóvel adquirido exclusivamente a arrendamento para habitação permanente – os novos pressupostos resultantes do adita- mento ao artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH dos seus atuais n. os 14 a 16 – a exigência de celebração efetiva de contrato de arrendamento para habitação e de não alienação do mesmo dentro de certo prazo –, a norma do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 alcança e agrava a condição resolutiva aposta ao benefício, que vinha do passado, originando, com isso, um caso de retroatividade inautêntica. Apesar de não se encontrar sob incidência da proibição da retroatividade fiscal consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição – e de não ser, por isso, sancionável de forma automática, nos termos em que o são as situações de retroatividade autêntica –, a norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 apenas poderá ser considerada constitucionalmente conforme se, em face dos elementos que integram a relação jurídico-tributária atingida, for de concluir que a aplicação da nova disciplina jurídica a factos iniciados sob a vigência da lei antiga é compatível com as exigências que, em caso de mutação da ordem jurídica, o legislador ordinário é obrigado a respeitar por força do princípio da proteção da confiança. Enquanto refração do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Consti- tuição, o princípio da tutela da confiança vem sendo densificado na jurisprudência constitucional nos termos seguintes:  «Para que [a confiança] seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote- gidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição)». De acordo com tal formulação, seguida no Acórdão n.º 287/90 e retomada no Acórdão n.º 128/09, atrás citado, a lesão da confiança constitucionalmente censurável pressupõe, por força daquele primeiro critério, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos destinatários expectativas de continuidade, que essas expectativas sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões e, por último, que os particulares tenham feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do “comportamento estadual”, que possam sair frustrados por mutações normativas do ordenamento com que os destinatários das normas não pudessem razoavelmente contar. Deste ponto de vista – importa esclarecê-lo desde já –, é irrelevante que o prazo de três anos, previsto no n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, seja um prazo futuro, isto é, que apenas se inicia com a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, a 1 de janeiro de 2014. O que releva no plano da confrontação da norma impugnada com o princípio da tutela da confiança é, em si mesma, a integração de novos pressupostos na condição resolutiva aposta ao benefício: é o facto de, por força da retroatividade imposta no n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, as isenções concedidas ao abrigo do artigo 8.º, n.º 7, alínea a) , e n.º 8, do

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=