TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

65 acórdão n.º 225/18 L – No que se refere ao anonimato dos dadores a LPMA não estabelece uma regra absoluta, prevendo um equilíbrio entre os direitos constitucionais perspetivados pelo legislador como conflituantes; num pri- meiro momento, prevalece o direito dos pais (e dos dadores) à reserva de intimidade da vida privada, e procura-se assegurar a unidade da família, todavia, o direito fundamental da pessoa nascida com recurso a PMA a conhecer a sua identidade não deixa de ser tutelado pela lei; após um juízo jurisprudencial, que pese todas as circunstâncias de cada caso concreto, o direito à historicidade pessoal do indivíduo fruto de PMA heteróloga poderá sempre prevalecer, totalmente, sobre quaisquer outros direitos, quer dos pais, quer dos dadores, estando aberta a possibilidade de conhecimento da identidade destes últimos, pelo que, tendo em conta os valores constitucionais levados em consideração, não se descortinam argumen- tos que possam sustentar a desconformidade da atual solução legislativa com o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, não só inexiste qualquer instrumentalização degradante, como não decorre das normas questionadas uma compressão total do direito à identidade pessoal, que, anulando o seu conteúdo essencial, comportaria, necessariamente, uma intolerável violação da dignidade da pessoa humana; porém, a inexistência de uma ablação total da identidade pessoal – que corresponderia a uma violação da dignidade da pessoa humana – não afasta a potencial violação do conteúdo dogmático espe- cífico dos direitos fundamentais ao desenvolvimento da personalidade e à identidade genética. LI – É de concluir, à luz das conceções correntes acerca da importância do conhecimento das próprias ori- gens, enquanto elemento fundamental da construção da identidade, que a opção seguida pelo legislador no artigo 15.º, n. os 1 e 4, da LPMA de estabelecer como regra, ainda que não absoluta, o anonimato dos dadores, no caso da procriação heteróloga, e, bem assim, o anonimato das gestantes de substituição – mas, no caso destas, como regra absoluta –, merece censura constitucional; mal se compreende, hoje, que o regime regra permaneça o do anonimato, que constitui uma afetação indubitavelmente gravosa dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição; combinando as exigências emanadas do núcleo essencial destes direitos com o padrão imposto pelo princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, afigura-se desnecessária tal opção, mesmo no que respeita à salvaguarda de outros direitos fundamentais ou valores constitucionalmente protegidos, que sempre poderão ser tutelados de maneira adequada, atra- vés de um regime jurídico que consagre a regra inversa: a possibilidade do anonimato dos dadores e da gestante de substituição apenas – e só – quando haja razões ponderosas para tal, a avaliar casuisticamente. LII – Quanto à questão da dispensa da averiguação oficiosa da paternidade, consagrada no artigo 20.º, n.º 3, da LPMA – aplicável apenas aos casos em que uma mulher, a título individual, ou seja, fora do contexto de um casamento ou de uma união de facto, tenha recorrido a técnicas de PMA para engravidar – afigura-se como inteiramente desprovida de sentido a averiguação oficiosa da paterni- dade, uma vez que, ainda que pudesse ser conhecida a identidade do dador, este não poderia ser tido como progenitor da criança nascida; o legislador limitou-se a estabelecer uma exceção à regra da ave- riguação oficiosa da paternidade, pois dada a especificidade desta situação – evidentemente distinta da dos filhos de “mães solteiras” que não recorreram a técnicas de PMA e que terão sempre, portanto, um pai biológico e jurídico, cuja identidade é determinável – não se vê como possam ter sido violados os princípios constitucionais invocados; a solução do artigo 20.º, n.º 3, da LPMA não pode ser tida por violadora do princípio da igualdade, visto que o legislador quis encontrar uma regra diferente para uma realidade também diferente, no que à geração de uma criança diz respeito; por outro lado, a norma em causa afigura-se razoável e proporcional, tendo em mente a necessidade de salvaguarda de direitos fundamentais, quer da mãe, quer da própria criança gerada por mulher sozinha com recurso a PMA, designadamente, o respeito pela sua vida privada e familiar.

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