TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
64 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XLVI – A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas naqueles preceitos que atribuem ao CNPMA os poderes administrativos formais necessários à legitimação do contrato de gestação de substituição, designadamente por via da respetiva autorização, legalmente exigida, prejudica necessariamente a possibilidade de celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição na ordem jurídica portuguesa até que o legislador parlamentar venha estabelecer para os mesmos um regime constitucionalmente adequado; por isso, tal juízo de inconstitucionali- dade estende-se consequencialmente às normas dos n. os 2 e 3 do artigo 8.º da LPMA, na parte em que admitem a celebração de negócios de gestação de substituição a título excecional e mediante autorização prévia; com efeito, sendo a celebração daqueles negócios jurídicos possível tão-somente a título excecional e desde que previamente autorizados, a falta de uma entidade com competência para os autorizar e, bem assim, a ausência de definição legal de critérios de autorização determina a sua inadmissibilidade; representaria, mais do que um paradoxo, uma inaceitável contradição valo- rativa admitir a continuação da possibilidade de celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição na ordem jurídica portuguesa, ao abrigo de um qualquer outro regime ainda menos determinado ao nível de uma lei da Assembleia da República do que aquele que agora é censurado. XLVII – Um segundo conjunto de questões respeita ao direito daqueles que nascem em consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões de conhecerem a identidade do ou dos dadores e, bem assim, no caso de pessoas nascidas através do recurso à gestação de substi- tuição, de conhecerem a identidade da respetiva gestante; a obrigação de sigilo absoluto prevista no n.º 1 do artigo 15.º da LPMA é derrogada nos números seguintes relativamente a certas entidades e quanto a determinadas informações, reconhecendo-se ao interessado o acesso às mesmas; no atual quadro legislativo as pessoas cujo nascimento tenha sido fruto de procriação heteróloga têm o direito a conhecer toda a sua história clínica e informação genética relevante; no caso da gestação de substituição a lei proíbe, em qualquer caso, que a criança seja gerada com recurso aos gâmetas da mulher que procede à gestação, pelo que a gestante nunca poderá ser a dadora do material genético da criança e, nessa medida, a questão do conhecimento da identidade da gestante não é suscetível de ser enquadrada no âmbito do direito ao conhecimento das origens genéticas. XLVIII – Apesar de imediatamente dirigida contra o Estado, a pretensão de quem nasceu na sequência da utilização de técnicas de PMA heteróloga conhecer as suas origens genéticas (e, mais amplamen- te, as circunstâncias em que se deu a sua conceção, gestação e nascimento) pode conflituar com o interesse na manutenção da paz e tranquilidade da família em que o mesmo atualmente se integra, assim como com a pretensão de manter o anonimato por parte de quem tenha doado material genético ou de quem tenha sido gestante de substituição. XLIX – Relativamente à questão do anonimato dos dadores à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, a regra do anonimato ora em análise reportada aos dadores e à gestante anula par- cialmente a historicidade pessoal de cada pessoa nascida nessas circunstâncias, mas, por si só, é insuficiente para a despersonalizar – tornando um certo indivíduo noutro que ele não é – ou para a forçar a viver uma verdade pessoal que não seja a sua, ainda que incompleta; poderá afetar a consciência da sua própria identidade, suscitando dúvidas, interrogações ou crises, mas não a anula, tal como a mesma se foi manifestando ao longo da vida da pessoa e se continua a manifestar; por isso, mesmo lesado num dos seus direitos fundamentais, nem por isso aquele que se vê impedido de conhecer as suas origens pode considerar-se degradado no seu ser-humano, inexistindo, por conseguinte, uma autónoma e específica violação da respetiva dignidade.
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