TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
636 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL [...] Em suma: da jurisprudência assinalada decorre – até por maioria de razão, atendendo a que a decisão que aplica uma multa processual ainda tem natureza sancionatória, pressupondo a prática de um ilícito proces- sual – que nenhuma censura constitucional merece a sujeição, às regras gerais relativas ao valor da causa e da sucumbência estabelecidas no Código de Processo Civil, da recorribilidade da decisão judicial que condene um oficial de justiça nas custas de um incidente que lhe é imputado a título de desobediência a provimento e a indicação verbal expressa; tal sujeição não é vedada, nem pelo artigo 32.º, n.º s 1 e 10, nem pelo artigo 20.º, n.º 1, ambos da Constituição. Tal solução também não viola o princípio do Estado de direito democrático nem o princípio da proporcionalidade’. […]». 8. Relativamente àquelas que foram objeto dos julgamentos realizados através dos Acórdãos n. os 302/05 e 652/17, a norma sob sindicância apresenta a seguinte especificidade: a irrecorribilidade do segmento da decisão que condena a parte como litigante de má fé em multa processual não decorre, como no primeiro, das regras gerais relativas ao valor da causa e à sucumbência fixadas na lei processual civil, nem (sequer tam- bém), como no segundo, da posição ocupada pelo Tribunal que proferiu a decisão na hierarquia dos tribu- nais comuns, mas sim (e apenas) da irrecorribilidade da decisão principal, estabelecida ope legis em razão do respetivo objeto. Assim sendo, o aspeto que importa clarificar é o seguinte: no que à recorribilidade da decisão diz respeito, por que razão diverge a condenação em multa processual por litigância de má fé no âmbito do incidente de suspeição de juiz do regime geral previsto para a litigância de má fé no n.º 2 do artigo 542.º do CPC, que admite recurso em um grau? A resposta a tal questão não pode deixar de residir na natureza, própria e específica, do objeto do inci- dente da suspeição a que aparece acoplada a aplicação da sanção por litigância de má fé (precisamente neste sentido, cfr. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Coimbra: Almedina, 2017, p. 348). Enquanto questão incidental, a suspeição oposta ao juiz caracteriza-se como uma ocorrência extraordi- nária, acidental, surgida no contexto de um certo processo, mas estranha ao objeto do litígio, que reclama por isso uma tramitação própria e autónoma e, em virtude dessa sua natureza, exige uma decisão prévia e especial, a qual é independente da resolução final da causa (cfr. Salvador da Costa, Os Incidentes, cit., p. 9 e segs.). Uma das especificidades contempladas no regime aplicável ao incidente de suspeição consiste no facto de a respetiva dedução, apesar de não implicar a suspensão tout court da instância, impedir, ainda assim, que sejam proferidos tanto o despacho saneador como a decisão final da causa, enquanto a suspeição não estiver julgada (cfr. segunda parte do n.º 1 do artigo 125.º do CPC). Ora, é justamente nesta ordem de razões que encontra fundamento a opção pela irrecorribilidade, em todos os seus segmentos – e, portanto, também naquele que condena o recusante com fundamento em má fé processual –, da decisão que julga improcedente o incidente de suspeição (neste sentido, Salvador da Costa, Os Incidentes, cit., p. 348). Tal como sublinhado no acórdão recorrido, o incidente de suspeição constitui um meio excecional de afastar um juiz do processo, através do qual é posta em causa uma qualidade essencial ao exercício da função de julgar: a sua imparcialidade. Daí que, para além de exigir uma especial responsabilidade ou prudência das partes na sua dedução, reclame tal incidente uma decisão definitiva o mais célere possível, de modo a travar a desconfiança pro- longada na atuação do juiz visado e, consequentemente, a pôr cobro à suspeita feita recair sobre a própria administração da justiça.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=