TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
63 acórdão n.º 225/18 legais que lhe estão associados, também não permite acautelar a solução que, em concreto, se revele como a mais adequada ao desenvolvimento integral da criança nascida na sequência de um contrato de gestação de substituição nulo; a solução indiferenciada e com efeitos ex lege própria do regime da nulidade obsta à consideração deste interesse fundamental da criança concretamente em causa – o respetivo direito à identidade pessoal previsto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição –, podendo concluir-se que na sua adoção o legislador não tomou «primacialmente em conta o superior interesse da criança», conforme exigido pelo artigo 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos das Crianças pelo que, nessa mesma medida, o legislador violou o dever do Estado de proteção da infância, consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição. XLIII – Quanto à questão da indeterminabilidade do regime legal do contrato de gestação de substitui- ção, o legislador limitou-se a prever a existência necessária de disposições sobre certas matérias e a proibir disposições que imponham «restrições de comportamentos à gestante de substituição» ou «normas que atentem contra os seus direitos, liberdade e dignidade», mas a lei é omissa quanto aos critérios de autorização prévia do contrato de gestação de substituição e relativamente à super- visão do conteúdo do mesmo contrato, que, por sua vez, condiciona a mencionada autorização; o próprio legislador não deixou de reconhecer a necessidade de regulamentação do artigo 8.º da LPMA, com a redação dada pela Lei n.º 25/2016, tendo regulamentado a matéria, pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho, porém, no presente processo a questão de inconstitu- cionalidade a analisar é a da legitimidade de, em termos materiais ou substanciais, remeter para atos infralegislativos a definição das condições essenciais de acesso dos cidadãos à gestação de substituição. XLIV – Os n. os 4, 10 e 11 do artigo 8.º da LPMA, prevendo embora limites positivos e negativos à auto- nomia das partes no contrato de gestação de substituição, em vez de procederem à sua concreti- zação, apenas os descrevem de forma muito geral e abstrata; tal concretização, indispensável ao conhecimento e compreensão das condições em que a autorização prévia do CNPMA será dada, só ocorrerá em resultado do exercício de poderes atribuídos a esse mesmo Conselho, ainda que, eventualmente, conjugado com a disciplina regulamentar estabelecida pelo Governo ao abrigo do disposto no artigo 3.º da Lei n.º 25/2016, e a concretização de tais limites, uma vez que os mesmo se encontram funcionalizados às condições de autorização prévia do contrato, implica uma com- pressão daquela autonomia. XLV – Tratando-se de disciplina de sentido restritivo quanto ao exercício de direitos, liberdades e garan- tias, tanto por parte da gestante, como dos beneficiários – e, por conseguinte, matéria de reserva de lei parlamentar ex vi artigos 18.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição –, a indeter- minação dos n. os 4, 10 e 11 do artigo 8.º da LPMA – que se reportam aos limites a estabelecer à autonomia das partes do contrato de gestação de substituição, assim como aos limites às restrições admissíveis dos comportamentos da gestante a estipular no mesmo contrato – não é compatível com a exigência de precisão ou determinabilidade das leis, decorrente do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição; tais preceitos são, deste modo, inconstitucionais, por violação do princípio da determinabilidade da lei, corolário do princípio do Estado de direito democrático, e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea b) , ambos da Constituição, por refe- rência aos direitos ao desenvolvimento da personalidade e de constituir família da gestante e dos beneficiários consagrados nos artigos 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, do mesmo normativo.
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