TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
628 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL lxvii. E, como qualquer decisão jurisdicional, tem que necessariamente a mesma poder ser sindicada ao menos por uma instância de recurso, sob pena de, em teoria, estar assegurado o caminho para a arbitrariedade e o subjetivismo, principalmente quando, como é o caso, se trata de sancionar, de punir, um sujeito de direito. lxvii. Não se aplicam aqui as exceções, que alguns defendem, de não se encontrar garantido constitucionalmente o duplo grau de jurisdição, muito menos o duplo grau de recurso. lxix. O que está em causa é que alguém é sancionado, diga-se até severamente sancionado, com o libelo de trans- gressor das regras do processo, por um órgão decisor e que tal decisão tem necessariamente que ser sindicada por uma entidade exterior, por uma outra instância, necessariamente pela via do recurso ou, no mínimo e no imediato, da reclamação para um coletivo de decisores. lxx. Este é, aliás, o espírito que enforma o disposto nos arts. 123.º, n.º 3 in fine , 152.º, n.º 2, 542.º, n.º 3, 627.º, n.º 1, 630.º a contrario , do CPC, e, ainda, mutatis mutandis , do disposto no art. 644.º, n.º 2, al. e) , do CPC (por se tratar de decisão proferida pela 1.ª instância decisória). lxxi. Nenhumas dúvidas podem subsistir quanto à sindicabilidade de uma decisão sancionatória, designadamente em multa ou qualquer outra sanção processual. lxxii. E tal sindicabilidade manifestamente tem que existir independentemente de quem profira a decisão sanciona- tória em primeiro grau decisório, seja um órgão singular_ seja o Presidente de um Tribunal de Relação seja o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça_ seja um órgão colegial. lxxiii. A sanção implica um juízo de desvalor de uma certa conduta, um certo facto jurídico voluntário. A sanção, seja de natureza pecuniária ou, no limite, privativa de liberdade, é sempre uma restrição de um direito funda- mental, seja à propriedade seja à liberdade. lxxiv. Um Estado de direito democrático não pode permitir, sob pena de violentação dos seus alicerces, que na legislação ordinária se contemple uma situação em que um órgão decisor sancione, puna, um determinado sujeito de direito sem que este, querendo, não se conformando com tal decisão sancionatória, possa suscitar a verificação da sua legalidade perante uma entidade terceira. lxxv. Aliás, nem outra interpretação poderia ser dada face à segmentação ínsita no n.º 3 do art. 123.º do CPC, pois no mesmo preceito legal (n.º 3), prevê-se: (a) na primeira parte, que a decisão sobre o incidente de suspeição não é suscetível de recurso; (b) na segunda parte, separado por um ponto e vírgula, que, julgada improcedente a suspeição, será apreciada a litigância do recusante. lxxvi. O ponto e vírgula serve, designadamente, para separar orações coordenadas adversativas, sendo que estas expressam uma oposição ou contradição em relação à anterior. lxxvii. Como tal, se na primeira oração se prevê, a título excecional, que a decisão sobre o incidente de suspeição não é passível de recurso_ e, se assim não fosse, seguir-se-ia a regra geral da recorribilidade das decisões jurisdicio- nais_ o legislador, ao separar a primeira da segunda oração através de um ponto e vírgula, quis expressar que, na decisão valorativa que o Presidente da Relação venha a tomar sobre a apreciação da litigância da recusante, já não é aplicável a restrição, EXCEPCIONAL, de a mesma não ser passível de recurso. lxxviii. E, assim sendo (como não pode deixar de ser), por se tratar da aplicação das regras da litigância de má fé, aplica-se de pleno as regras da sindicabilidade das decisões que, condenando um sujeito processual como litigante de má fé, são SEMPRE passíveis de recurso em um grau, independentemente do valor da causa e da sucumbência – art. 542.º, n.º 3, do CPC. lxxix. Este é, pois, um dos casos em que é sempre admissível recurso. lxxx. Por outro lado, a irrecorribilidade da decisão sobre o incidente de suspeição é, claramente, pelo exposto, uma regra excecional, no sentido de consagrar um regime oposto ao regime geral, sendo que o regime geral, como se sabe, é o da recorribilidade das decisões que condenem em multa ou qualquer outra sanção processual (arts. 542.º, n.º 3, e 644.º, n.º 2, al. e) , do CPC). lxxxi. E, como se sabe também, as normas excecionais não comportam aplicação analógica, por analogia (art. 11.º do CC), dado imporem um ius singulare. lxxxii. Em suma, a decisão do Presidente do Tribunal da Relação que condene um recusante, que tenha suscitado um incidente de suspeição, como litigante de má fé, ao abrigo do disposto no art. 123.º, n.º 3, e 542.º, do
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