TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL artigo 8.º daquela Lei, segundo a qual a criança que nascer através do recurso à gestação de substi- tuição é sempre tida como filha dos respetivos beneficiários; esta norma, ao estabelecer um critério especial de filiação da criança nascida através do recurso à gestação de substituição no pressuposto de que a gestante prestou o seu consentimento livre e esclarecido a tal modo de procriação, não ressalva a possibilidade de revogação desse mesmo consentimento – revogação essa que, por sua vez, implica a aplicabilidade do critério geral de filiação previsto no Código Civil – que constitui uma condição necessária da salvaguarda do direito ao desenvolvimento da gestante ao longo de todo o processo de gestação de substituição. XL – Quanto ao regime da nulidade do contrato de gestação de substituição gratuito, sendo um dos efeitos visados pelo recurso à gestação de substituição o estabelecimento da filiação da criança dada à luz pela gestante em relação aos beneficiários, isto é, àqueles que celebraram com aquela um contrato de gestação de substituição, caso os efeitos deste contrato sejam eliminados do orde- namento em consequência da declaração da sua nulidade, na ausência de regulamentação especí- fica, aquela regra especial de filiação deixa de ser aplicável, passando a matéria a reger-se pela lei geral: relativamente à mãe, a filiação resulta do facto do nascimento, passando a gestante a ter de ser considerada mãe da criança; porém, a previsão de um mero regime de nulidade do contrato de gestação para a hipótese de o mesmo violar o regime aplicável da LPMA, sem se regular de forma cuidadosa as eventuais consequências que possam decorrer desse negócio nulo em matéria de filiação da criança, poderá colocar gravemente em causa o seu superior interesse, sendo certo, além disso, que a criança em nada contribuiu para as ilegalidades cometidas. XLI – Embora, em princípio, os problemas relativamente à legalidade do contrato sejam prevenidos por via da autorização prévia e supervisão pelo CNPMA, a rigidez do regime da nulidade, nomea- damente quanto à invocabilidade de causas a todo o tempo, e a sua uniformidade decorrente da eliminação retroativa de todos os efeitos jurídicos decorrente da declaração de nulidade, suscitam dificuldades, quando confrontadas com a diversidade de situações possíveis e a dinâmica da pró- pria vida, sobretudo depois de o contrato de gestação de substituição já ter sido integralmente executado. XLII – A rigidez excessiva inerente à invocabilidade da nulidade sem limite de tempo torna-se evidente quando confrontada com a possibilidade de o procedimento criminal relativamente aos crimes tipificados no artigo 39.º da LPMA se extinguir, por prescrição, nos prazos de dois ou cinco anos, conforme a pena máxima aplicável; por outro lado, o regime da nulidade não permite diferencia- ções, seja em função da gravidade de cada causa, seja em função da realidade criada na sequência da execução de um contrato nulo; a possibilidade de a todo o tempo questionar com fundamento na simples inobservância (por oposição a uma inobservância qualificada) de um qualquer pres- suposto (e não apenas de pressupostos fundamentais como, por exemplo, o de não ser a gestante dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é participante) a validade do contrato de gestação permite que se crie um grau de incerteza e indefinição quanto à filiação já estabelecida, o que não se compadece com a segurança jurídica exigível em matéria de estatuto das pessoas; o regime consagrado no n.º 12 do artigo 8.º da LPMA, não só não permite a consolida- ção, como não diferencia em função do tempo ou da gravidade as causas invocadas para justificar a declaração de nulidade, pelo que tal solução mostra-se incompatível com o princípio da seguran- ça jurídica decorrente do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição; por outro lado, o mesmo regime, na sua abstração e com o automatismo dos efeitos

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