TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

616 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a inflação dos períodos de suspensão da pena, nos casos em que esta viesse a ser decretada, e a redução dos casos de suspensão da execução da pena, sobre a qual recairia uma suspeita legítima de relativa insuficiência como meio de tutela penal, produzindo-se globalmente o efeito perverso de a segurança jurídica dos arguidos ser protegida à custa de um agravamento da repressão penal. No mesmo sentido vão as seguintes palavras de Jorge de Figueiredo Dias ( Direito Penal Português II – As Consequências Jurídicas do Crime, reimp., Coimbra, 2005, § 549, p. 358), a propósito de solução semelhante consagrada no então artigo 491.º, n.º 4, do Código de Processo Penal: «E, de certo ponto de vista, ela é a única correta, se bem que acarrete consigo o inconveniente de a revogação ou a prorrogação da suspensão poderem vir a ter lugar num momento posterior ao fim do período de suspensão. Trata-se de um inconveniente inevitável e que tem de ser suportado; a menos que existisse uma norma segundo a qual a revogação ou a prorrogação estivessem legalmente adscritas a um prazo que não pudesse ultrapassar o da suspensão. Mas a inevitável morosidade da justiça conduziria então, as mais das vezes, a que ficasse sem efeito sobre a suspensão a prática de um novo crime, gravíssimo que fosse, ou a violação mais grosseira e culposa das condições de suspensão; o que provavelmente acabaria por reflectir-se, de forma negativa, nas intenções político-criminais que presidem à suspensão, diminuindo de modo sensível o seu âmbito efetivo de aplicação» Tanto basta para concluir que a solução legal sob escrutínio não constitui uma lesão inadequada, desne- cessária ou desproporcional da segurança jurídica dos visados, o mesmo é dizer, que não constitui um meio excessivo para alcançar a finalidade político-criminal – não apenas legítima, mas verdadeiramente privile- giada, no quadro de valores constitucional – de reduzir ao mínimo indispensável a privação da liberdade. A perturbação da «paz jurídica» é, por assim dizer, o preço que o agente tem de pagar por um instituto penal que salvaguarda até ao limite possível a sua liberdade. É certo que podem ocorrer situações de demora insuportável, em que a ofensa do princípio da segurança jurídica atinge proporções intoleráveis. E, na verdade, a mera hipótese dessa demora insuportável agrava ex ante a lesão da «paz jurídica» do visado. Daí pode extrair-se que um regime mais equilibrado contemplaria um prazo máximo de sobrestamento da declaração de extinção da pena. Mas repare-se que a existência de um tal prazo máximo, abstraído do termo inicial e da complexidade do procedimento criminal pendente, redu- ziria de modo significativo a eficácia do instituto da suspensão da execução da pena, gerando os riscos que à redução dessa eficácia podem ser razoavelmente associados. Na verdade, a análise das virtudes e dos defeitos de uma solução desse tipo é análoga à reclamada pela própria admissibilidade do adiamento da declaração de extinção da pena: no fim das contas, é verosímil que se viesse a sacrificar uma medida de liberdade indivi- dual para conquistar um acréscimo de segurança jurídica. Além do mais, no quadro legal vigente, o impacto negativo de situações de morosidade insuportável é mitigado através da possibilidade de aplicação à pena suspensa, entendida como pena autónoma, do regime da prescrição. Por último, importa referir que o problema da eventual morosidade do procedimento criminal não se coloca, pelo menos de forma direta, a respeito do processo em que é aplicável o regime do n.º 2 do artigo 57.º do Código Penal. O problema da lentidão da justiça penal, designadamente enquanto problema constitucio- nal, coloca-se a respeito do procedimento pendente, no âmbito do qual o arguido tem o direito fundamental, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, a ser julgado no mais curto prazo compatível com as suas garantias de defesa. Na medida em que tal direito seja respeitado, não se pode conceber que o adiamento da declaração de extinção da pena com fundamento na pendência de procedimento criminal contra o agente constitua uma lesão intolerável da sua «paz jurídica». Tal lesão ocorrerá apenas, eventualmente, e sempre como efeito reflexo, nos casos em que se verifique uma violação, no âmbito do processo pendente, do direito do arguido a uma justiça penal célere; de onde decorre que é nesse âmbito que as questões de constitucionali- dade devem ser suscitadas e que é em relação a ele que devem operar os meios de tutela, internos e regionais, do referido direito fundamental.

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