TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

615 acórdão n.º 173/18 salvaguardar as garantias fundamentais, corra os seus termos, e que no seu decurso seja infirmada a presunção inicial de que o arguido é inocente. De modo análogo, a projeção interprocessual de tal princípio proíbe que o tribunal revogue a suspensão da pena de prisão com fundamento na pendência de outro procedimento criminal, ou que prorrogue o prazo de suspensão da execução da pena e os efeitos de eventuais condições que lhe tenha sido apostas, mas não proíbe que a declaração de extinção da pena seja adiada até que se determine se durante o período de suspensão o agente cometeu algum crime – o facto decisivo, no fim de contas, para aferir se saíram confirmadas as expectativas favoráveis com base nas quais a execução da pena de prisão foi suspensa. 8. Afastada a hipótese de inconstitucionalidade com fundamento na ofensa ao princípio da presunção de inocência, cabe agora apreciar o segundo argumento aduzido na decisão recorrida, o de que o diferimento da declaração de extinção da pena perturba a «paz jurídica» do agente e prejudica a sua reinserção social, para a qual contribui o esquecimento da condenação e da pena. O problema reside na incerteza gerada pelo adiamento, sem prazo certo, da decisão quanto à extinção da pena ou eventual revogação da suspensão da sua execução. Trata-se aqui da projeção no domínio penal do que se denominou, no Acórdão n.º 195/17, «vertente prospetiva» do princípio da segurança jurídica, por contraposição à «vertente retrospetiva», que se consubstancia na proteção da confiança. Como então se escreveu: «[O] princípio da proteção da confiança é apenas uma das vertentes ou refrações da segurança jurídica, valor matricial do Estado de direito democrático. O seu alcance, como vimos, é essencialmente retrospetivo: o poder público não pode, exceto na exata medida em que para tal tenha razões justas ou imperiosas, defraudar as expec- tativas que o seu comportamento gerou nos cidadãos e depredar os investimentos que estes realizaram nesse pres- suposto. Todavia, o Estado de direito não está apenas vinculado a acautelar a confiança que inspirou nos cidadãos. Está também vinculado a inspirar essa confiança, o mesmo é dizer, a criar as condições possíveis e indispensáveis para que estes possam planear as suas vidas e realizar investimentos em segurança. Trata-se aqui da vertente prospetiva da segurança: a previsibilidade do comportamento estadual e a consequente determinabilidade das consequências jurídicas das decisões dos particulares. Um Estado cujo poder executivo não se contém nos limites da legalidade; cujas leis são sistematicamente secretas, obscuras e vagas; cujos tribunais não são independentes; ou cujos regimes legais admitem exceções invocáveis ad nutum ; um tal Estado, como é fácil de reconhecer, não inspira qualquer con- fiança nos cidadãos – e, por essa razão, não pode dizer-se que lese a confiança que neles gerou –, mas nem por isso deixa de postergar a segurança que a submissão do poder público ao direito impõe. Por outras palavras, o Estado de direito está simultaneamente vinculado a salvaguardar a confiança que inspirou nos cidadãos (vertente retrospe- tiva) e a inspirar neles confiança na previsibilidade e na integridade do seu comportamento (vertente prospetiva).» Sem dúvida que a solução acolhida no n.º 2 do artigo 57.º do Código Penal lesa de modo significativo a segurança jurídica do visado, na medida em que gera uma situação de incerteza num domínio sensível da sua vida. Porém, tal solução é conatural ao instituto da suspensão da execução da pena: por um lado, a exis- tência ou não de conduta criminal relevante durante o período de suspensão é facto determinante na revisão retrospetiva da prognose favorável subjacente à decisão inicial de não executar a pena de prisão; por outro lado, a única forma válida de verificar tal facto, nos casos em que pender sobre o agente procedimento por crimes praticados durante o período de suspensão, é aguardar pelo desfecho deste. O diferimento da decla- ração de extinção da pena, previsto no n.º 2 do artigo 57.º, é um corolário dessas premissas. Na verdade, se a pena fosse declarada extinta antes do termo de qualquer procedimento criminal pendente relativo a factos praticados no decurso do período de suspensão – factos com relevância suficiente para o tribunal vir a decre- tar a revogação da suspensão da pena –, a ameaça de execução da pena seria inoperante no que diz respeito a eventuais crimes cometidos em fases adiantadas do período de suspensão, o que reduziria seriamente a eficácia preventiva, geral e especial, deste instituto penal. O contrapeso normal de tal défice de eficácia seria

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