TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

614 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Já no processo cuja pendência desencadeia o adiamento da decisão quanto à revogação da suspensão ou declaração de extinção da pena de prisão, a norma do artigo 57.º, n.º 2, do Código Penal, nenhum efeito produz, designadamente no plano da verificação da responsabilidade criminal do arguido e do tratamento que lhe é dispensado no processo. Este segundo processo correrá os seus termos com total independência face àquele em que o agente já foi condenado, nele valendo todos os corolários do princípio da presunção de inocência. Não há, pois, em nenhum dos processos, considerados per se , qualquer ablação ou compressão do princípio da presunção de inocência. A alegada ofensa a este princípio situa-se no plano interprocessual, no sentido em que a pendência do segundo processo produz reflexos negativos no primeiro processo, ao determinar o adiamento da declaração de extinção da pena. Porém, o facto que desencadeia o adiamento da declaração de extinção da pena – a notícia de que está pendente outro procedimento criminal –, não implica de modo algum que o agente seja tratado como se fora culpado dos crimes que lhe são imputados nesse outro procedimento. Não implica, desde logo, porque o tribunal não pode revogar a suspensão da pena até que no âmbito desse outro procedimento seja proferida condenação definitiva do arguido; a notícia da pendên- cia do procedimento tem por único efeito jurídico o diferimento da eventual decisão de declarar extinta a pena. E assim é, precisamente, em virtude da presunção da inocência de que o agente beneficia no processo pendente: enquanto não se consolidar na ordem jurídica o juízo de que a prova produzida em audiência de julgamento infirma a presunção de inocência do arguido, nenhum efeito incompatível com esse estatuto poderá o mesmo sofrer no processo em que já foi condenado, sobretudo o efeito gravoso da revogação da suspensão da pena. Violação reflexa do princípio da presunção de inocência, na sua vertente de norma de tratamento, ocor- reria, sim, na hipótese de a norma do n.º 2 do artigo 57.º não impor o sobrestamento da decisão de revoga- ção até ocorrer o trânsito em julgado da decisão condenatória no segundo processo, mas, ao invés, autorizasse a revogação da suspensão da pena com fundamento na mera notícia da pendência, em qualquer fase anterior à condenação definitiva, de outro procedimento criminal contra o agente. Semelhante possibilidade implica- ria o tratamento do arguido como se culpado fosse quanto ao crime a que respeite o processo pendente, uma situação intolerável à luz da norma de tratamento ínsita no princípio da presunção de inocência. Não sendo essa a solução acolhida na lei, que não permite que se extraiam quaisquer consequências punitivas da mera pendência de outro procedimento criminal, não se consegue discernir aqui qualquer ofensa a tal princípio. Note-se que o diferimento da declaração de extinção da pena não implica a sobrevigência desta, na medida em que a norma do n.º 2 do artigo 57.º do Código Penal não autoriza a prorrogação do prazo de suspensão, de que resultaria o alargamento do lapso de tempo dentro do qual a prática de crimes poderá determinar a execução da pena de prisão inicialmente fixada; na verdade, nenhum crime cometido pelo agente após o termo do prazo de suspensão releva para efeitos de extinção da pena, mas apenas aquele que tenha sido cometido dentro desse prazo, e em relação ao qual o procedimento criminal ainda não findou. E nos casos, diversos do apreciado nestes autos, em que a suspensão da execução da pena de prisão tenha sido subordinada ao cumprimento de deveres (artigo 51.º do Código Penal) ou ao cumprimento de regras de conduta (artigo 52.º do Código Penal), ou tenha sido acompanhada de regime de prova (artigo 53.º do Código Penal), os efeitos de tais condições cessam integralmente uma vez transcorrido o período de suspensão da pena. É claro que, numa compreensão amplíssima, o princípio da presunção de inocência é atingido em toda e qualquer situação em que o arguido seja prejudicado até que se forme e consolide um juízo jurídico válido sobre a sua culpa. Mas tal compreensão é insustentável, na medida em que, proscrevendo, por exemplo, quaisquer medidas de investigação e cautelares baseadas em indícios de culpabilidade – medidas cuja exe- cução representa geralmente um prejuízo para o arguido –, tornaria inviável o processo criminal como um todo, convertendo a presunção de inocência em inocência postulada e frustrando integralmente os objetivos legítimos da tutela penal. O princípio da presunção de inocência, na sua vertente de norma de tratamento intraprocessual, proíbe que o arguido seja tido por culpado antes do desfecho do processo indispensável à verificação desse facto; não proíbe, como é evidente, que tal processo, devidamente estruturado de forma a

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=