TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

613 acórdão n.º 173/18 da prescrição, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d) , do Código Penal, se não forem cumpridas ou revogadas. 7. O tribunal a quo entende que a norma sindicada neste recurso ofende o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, na medida em que associa uma consequência negativa ao mero facto da pendência de procedimento criminal contra o agente. Como se escreveu no recente Acórdão n.º 197/17, «[d]a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência decorre que o processo penal tem de ser estruturado de forma a assegurar todas as garantias de defesa do arguido, tido à partida como inocente, por não haver qualquer fundamento para que aquele não se considere como tal enquanto não for julgado culpado por sentença transitada em julgado». O princípio compreende duas vertentes fundamentais: uma norma probatória e uma norma de tratamento. Enquanto norma probatória, consubstancia-se no princípio processual penal do in dubio pro reo , que se traduz numa imposição dirigida ao julgador no sentido de que qualquer situação de dúvida a respeito dos factos relevantes para o apuramento da responsabilidade do arguido deve ser decidida a favor deste, de modo que a condenação penal fique reservada aos casos em que, em função das provas obtidas segundo as formas admitidas por lei, o tribunal de julgamento esteja em condições de dar por demonstrados os factos de que o arguido é acusado. Enquanto norma de tratamento, o princípio da presunção de inocência corresponde ao direito do arguido a ser tratado no processo como se fora inocente, o que redunda na injunção dirigida ao legislador ordinário de desenhar o processo penal em função desse pressuposto, designadamente através da proibição da antecipação de efeitos penais, da exclusão de presunções de culpa e da limitação das restrições da liberdade no decurso do processo ao mínimo indispensável para a efetivação da tutela penal. Esta segunda vertente do princípio da presunção de inocência foi há muito reconhecida na jurisprudên- cia constitucional, constituindo hoje um dado pacífico. A propósito dela, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 123/92: «Hoje em dia, deve ter-se por restritivo o entendimento tradicional do princípio da presunção de inocência do arguido em termos de o equiparar ao princípio in dubio pro reo . Com efeito, para além de uma regra válida em matéria de prova, é irrecusável que o princípio consagrado naquela norma constitucional contém implicações ao nível do próprio estatuto ou da condição do arguido em termos de, seguramente, tornar ilegítima a imposição de qualquer ónus ou a restrição de direitos que, de algum modo, representem e se traduzam numa antecipação da condenação.» Ora, é precisamente nesta vertente, de norma de tratamento, que o princípio da presunção de inocência foi invocado na decisão recorrida. Note-se que a norma em análise pressupõe a pendência simultânea de, pelo menos, dois procedimentos criminais contra o mesmo agente, em fases processuais distintas. No processo a que respeita a norma do n.º 2 do artigo 57.º, o agente foi condenado por sentença tran- sitada em julgado, pelo que se encontra firmada a sua responsabilidade criminal e consolidada a escolha do tipo e da medida da pena, que no caso será necessariamente uma pena principal de prisão substituída por pena de prisão suspensa na sua execução por determinado prazo. Daí decorre que, no âmbito de tal processo, deixou de ser aplicável o princípio da presunção de inocência, em qualquer das suas vertentes. Se, por um lado, já não está em causa qualquer questão probatória, na medida em que os factos que consubstanciam a prática do crime pelo qual o agente foi condenado já se encontram julgados e fixados por decisão transitada em julgado, também na vertente de norma de tratamento o princípio da presunção de inocência deixa de ser aplicável, dado que o seu pressuposto essencial é a inexistência de condenação definitiva. Está claro que o tratamento do arguido na fase posterior à condenação pode atentar contra os seus direitos fundamentais em processo criminal; mas entre tais direitos não mais se conta – pelas razões adiantadas – o da presunção de inocência, nomeadamente na vertente do direito a ser tratado como inocente.

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