TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

61 acórdão n.º 225/18 XXXVI – Confrontando o peso das expectativas dos beneficiários protegidas pela irrevogabilidade do con- sentimento da gestante, com o sacrifício, momentaneamente quase total, do direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade desta última determinado por tal irrevogabilidade, sempre que estejam em causa as citadas situações, a desproporção é manifesta; os inconvenientes e frus- trações dos primeiros não justificam a instrumentalização da segunda em ordem a evitá-los; a verificar-se tal instrumentalização, seria violado o dito direito fundamental da gestante, interpre- tado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, e a única garantia de que tal não suceda, é salvaguardar a possibilidade de a gestante revogar o seu consentimento para além do início dos processos terapêuticos de PMA; deste modo, a limitação à revogabilidade do consentimento da gestante estabelecida em consequência das remissões dos artigos 8.º, n.º 8, e 14.º, n.º 5, da LPMA para o n.º 4 deste último, é inconstitucional por restringir desproporcionadamente o respetivo direito ao desenvolvimento da personalidade, interpretado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. XXXVII– Estas considerações também são aplicáveis no caso da gestante de substituição se afastar do projeto parental dos beneficiários em virtude de querer levar a gravidez até ao fim e assumir um projeto parental próprio; uma tal hipótese não é admitida pela lei não só por causa do limite à revogabi- lidade do consentimento da gestante consagrado no artigo 14.º, n.º 4, da LPMA, como também devido à regra especial de estabelecimento da filiação consagrada no artigo 8.º, n.º 7, da mesma Lei, no pressuposto da existência de um contrato de gestação de substituição válido e eficaz: a «criança que nascer através do recurso à gestação de substituição é tida como filha dos respetivos beneficiários». XXXVIII – Estas regras não são inadequadas nem desnecessárias à salvaguarda da posição dos beneficiários, contudo não têm em atenção que durante a gravidez e até ao parto a única relação que existe com a criança que vai nascer é aquela que se estabelece entre a gestante e o nascituro, com relevância nos planos biológico e epigenético, bem como nos planos afetivo e emocional e as regras em apre- ço também desconsideram que, a partir do nascimento, o interesse da criança deve ser o principal critério de todas as decisões que sejam tomadas em relação ao destino da mesma; contudo, as solu- ções normativas em análise impõem a consequência contrária: a prevalência absoluta das razões dos beneficiários, não deixando qualquer espaço para ponderar, em cada caso, também aquelas que legitimamente a gestante pudesse invocar, sendo a consequência dessa desconsideração total o risco de instrumentalização da gestante incompatível com o respeito do seu direito ao desenvolvi- mento da personalidade, interpretado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, sempre que, em função das vicissitudes ocorridas durante a gravidez ou o parto e do próprio comporta- mento dos beneficiários, não fosse de excluir que a separação da criança da gestante representasse para esta um sacrifício maior do que aquele que representaria para os beneficiários a não entrega da criança; acresce a necessidade de considerar a criança entretanto nascida e cuja entrega está em causa, uma vez que é o seu interesse que deve presidir à solução do conflito entre os dois projetos parentais. XXXIX – Em suma, a limitação à revogabilidade do consentimento da gestante estabelecida em consequên- cia das remissões dos artigos 8.º, n.º 8, e 14.º, n.º 5, da LPMA para o n.º 4 deste último, é incons- titucional por restringir excessivamente o direito da gestante ao desenvolvimento da personalida- de, interpretado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, e o seu direito de constituir família, estendendo-se tal juízo consequencialmente, e pelas mesmas razões, à norma do n.º 7 do

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