TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

597 acórdão n.º 162/18 O facto de o recorrente procurar formular os critérios subjacentes à decisão recorrida, em termos mais ou menos gerais e abstratos, em nada obsta a essa conclusão. A esse preciso respeito, escreveu-se o seguinte no Acórdão n.º 695/16: «[S]e por «norma» se entendesse qualquer «regra abstrata» identificada pelo recorrente na decisão recorrida, a distinção entre norma e decisão seria inviável. Com efeito, estando os tribunais vinculados ao dever de funda- mentar expressamente as suas decisões, articulando para elas razões imparciais e objetivas, e sendo as razões, hoc sensu, critérios de decisão universalizáveis, na medida em que dizem sempre respeito a toda uma série de casos potenciais para os quais são válidas, não há decisão jurisdicional alguma que não seja suscetível de uma tradução normativa nos termos defendidos pelo recorrente – que tenha por fundamento, quer isto dizer, uma «norma do caso» ou ratio decidendi . Em vez de lograr o enunciado de uma norma sindicável, pois, o que recorrente produz, nas suas alegações, é o esboço de uma reductio ad absurdum de todo o nosso sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa. (…) Por outro lado, a equação entre norma-objeto de controlo de constitucionalidade e norma-regra geral e abstrata é incompatível com a ideia, há muito assente na jurisprudência deste Tribunal, de que «para o efeito do disposto nos artigos 277.º e seguintes da Constituição [deve procurar-se] um conceito funcional de “norma”, ou seja, funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade aí instituído.» De tal forma que «na averiguação e determinação do que seja “norma”, para esse efeito, não pode partir-se de uma noção material, dou- trinária e aprioristicamente fixada, desse conceito. E, designadamente, não pode partir-se da ideia clássica que liga ao mesmo conceito notas da “generalidade” e da “abstração”.» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 20/85). Daqui resulta não apenas que pode haver normas nesse sentido funcional que não são regras gerais e abstratas – nomeadamente as denominadas leis-medida ou leis-providência (vide Acórdãos n. os 26/85, 80/86, 157/88 e 365/91) – como também que pode haver normas no sentido doutrinário ou metodológico do termo que não são normas no sentido funcionalmente adequado ao exercício da justiça constitucional. É justamente este último o caso daquelas razões das decisões jurisdicionais que não são recondutíveis a atos da autoridade pública dotados de força externa, ou seja, que o tribunal a quo não acolhe enquanto fonte de direito por força da sua subordinação ao princípio da legalidade, mas que resultam da aplicação de direito para além da lei – obtido através de métodos como o preenchimento de conceitos indeterminados e a concretização de cláusulas gerais, o recurso à extensão analógica e à redução teleológica, ou a ponderação de princípios jurídicos – ou da interpretação de preceitos constitucionais diretamente aplicáveis, pela sua natureza ou por imposição legal, ao caso sub judice . Por outras palavras, suscetíveis de controlo pela jurisdição constitucional são, por princípio, apenas as razões heterónomas da justiça comum, aquelas normas infraconstitucionais que os tribunais aplicam em virtude da autoridade política, originária ou delegada, dos seus autores. Ora, as normas jurisdicionais ou «normas do caso» não têm essa natureza política porque não têm caráter ino- vatório ou eficácia externa, dado que o poder jurisdicional é o poder de aplicar direito pré-existente e a sentença produz efeitos apenas no caso concreto. Assim é mesmo que se considere a jurisprudência como fonte de direito, na medida em que os tribunais não têm em caso algum a autoridade de decretar ou articular uma norma válida para casos futuros, constituindo as suas afirmações sobre o fundamento ( ratio ) ou força ( vis ) jurídica das suas decisões meros obiter dicta. Cabe aos tribunais que venham eventualmente a invocar essas decisões como fonte de direito – o que aliás tende a acontecer apenas quando estas integram uma linha constante de jurisprudência – articular as normas que lhes subjazem. A autoridade dispositiva do poder judicial cinge-se por isso ao caso decidendo, o que significa que apesar de as suas decisões terem fundamentos normativos, ora heterónomos ora autónomos relativa- mente à função jurisdicional, não têm força normativa – não aprovam, decretam ou criam, ao contrário do que sustenta o recorrente, quaisquer normas, quaisquer critérios de conduta vinculativos no futuro.» Por estas razões, é de recusar idoneidade ao objeto do recurso, na parte aqui sob apreciação, o que obsta ao seu conhecimento.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=