TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

59 acórdão n.º 225/18 longo de todas as fases em que se desdobra o processo de gestação de substituição: celebração do contrato, aplicação das técnicas de PMA, gravidez, parto e entrega da criança aos beneficiários; consequentemente, quer a insuficiência de informação eventualmente viciante do consentimento inicial da gestante, quer a alteração posterior e imprevisível da sua vontade em razão de vicissitu- des ocorridas durante a gestação ou o parto, justificam a possibilidade da ocorrência de situações não consideradas no consentimento por ela previamente prestado e, por isso mesmo, incompatí- veis com a afirmação da sua personalidade, ou seja, tendo a gestante deixado de querer continuar no processo de gestação de substituição tal como delineado no correspondente contrato, deixa também de poder entender-se que a sua participação em tal processo corresponde ao exercício do seu direito ao desenvolvimento da personalidade. XXIX – Atentas as características físicas, biológicas, psíquicas e potencialmente afetivas da gravidez e do parto, a revogabilidade do consentimento inicialmente prestado é a única garantia de que o cum- primento das obrigações específicas de cada fase daquele processo continua a ser voluntário e, por isso, a corresponder ao exercício de tal direito; a pura e simples autovinculação antes do início do processo de gestação de substituição não permite acautelar suficientemente tal voluntariedade ao longo de todo o processo; a revogabilidade corresponde a uma garantia essencial da efetividade do direito ao desenvolvimento da personalidade da gestante, o qual constitui um alicerce fundamental do modelo português de gestação de substituição e, à semelhança das exigências de gratuitidade e de não subordinação económica para garantir a liberdade de consentimento inicial, a revogação em causa também tem de ser livre, no sentido de excluir, pelo menos, qualquer indemnização; com efeito, as obrigações contratuais pressupõem o consentimento, pelo que, desaparecendo este, aquelas também deixam de poder subsistir, não havendo lugar para qualquer incumprimento contratual. XXX – Simetricamente, o estabelecimento de limites legais à revogabilidade do consentimento da gestan- te não pode deixar de corresponder à definição de outras tantas restrições do seu direito ao desen- volvimento da personalidade, nomeadamente para salvaguarda do interesse dos beneficiários e do respetivo projeto parental; apesar de vinculante desde o início, o consentimento da gestante, para garantia da sua dignidade pessoal, tem de se manter atual ao longo de todo o processo de gestação de substituição, nomeadamente enquanto aquela cumpre as obrigações essenciais do contrato de gestação de substituição; consequentemente, a imposição sem exceção da vinculatividade de tal consentimento – que é prestado ainda antes da transferência do embrião –, até ao fim do processo de gestação de substituição, apesar de o mesmo não se poder ter como totalmente esclarecido – dada a imprevisibilidade de todas as vicissitudes que podem ocorrer durante o período de gestação e durante o próprio parto –, nem poder antecipar alterações de circunstâncias subjetivas essenciais ocorridas durante o mesmo período, revela-se como uma limitação severa da mencionada exigên- cia de atualidade. XXXI – O artigo 14.º, n.º 4, da LPMA, aplicável à gestante por remissão do artigo 8.º, n.º 8, daquela Lei, e confirmada pelo disposto no n.º 5 do mesmo artigo 14.º, só admite a livre revogação do seu con- sentimento «até ao início dos processos terapêuticos de PMA»; neste caso, está em causa a defesa dos interesses dos beneficiários perante uma eventual “mudança de ideias” ou o “arrependimento” da gestante, que se traduz na vontade de a mesma se afastar do projeto parental daqueles e no qual se dispusera a participar, podendo a gestante afastar-se do projeto parental dos beneficiários por não querer levar a gestação até ao fim, realizando uma interrupção voluntária da gravidez, ou por, inversamente, querer levar a gravidez até ao fim e assumir um projeto parental próprio.

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