TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

582 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 12. Já na Decisão Sumária n.º 724/16 se concluiu que o artigo 4.º, alínea b), da Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, não habilitou o Governo a legislar em matérias conexas com o direito à inviolabilidade do domicílio, e, como tal, não sanou a inconstitucionalidade orgânica que inquinava a norma do artigo 95.º, n.º 2, do RJUE. Na Decisão Sumária argumentou-se, essencialmente, nos seguintes termos: «No caso vertente, o teor do artigo 4.º, alínea b) da Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, é explícito quanto ao seu objeto: atribuir aos tribunais administrativos a competência para conceder a autorização judicial para a execução de obras de urbanização por terceiros e para conceder mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. Trata-se, pois, de uma autorização legislativa que visa unicamente regular a repartição de competências entre diver- sas ordens judiciais. O seu objecto único consiste na modificação de determinadas disposições do RJUE que implicam intervenções judiciais, no sentido de definir os tribunais administrativos como os competentes para as mesmas. Tal desiderato é, de resto, perfeitamente visível na especificação dos preceitos legais do RJUE cuja revisão é pre- vista na alínea b) do artigo 4.º da Lei n.º 100/2015, todos eles referidos precisamente à definição da competência dos Tribunais aos quais caberá apreciar as matérias em causa. E não obstante o argumento lógico aduzido no sentido de que a autorização legislativa dirigida à revisão do n.º 3 do artigo 95.º do RJUE pressupõe a simultânea existência de uma permissão normativa de entrada de funcionários administrativos no domicílio de cidadãos, sem o seu consentimento, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, dele não resulta de modo algum que a alínea b) do artigo 4.º da Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, possa aproveitar ao n.º 2 do artigo 95.º do RJUE. Apesar de existir uma conexão necessária entre um determinado regime material e o correspondente regime adjetivo, continuamos a estar perante realidades jurídicas autónomas, que reclamam do legislador valorações e decisões distintas e inconfundíveis, o que impede que se possa deduzir o corpus de uma a partir da outra unicamente através do recurso a processos de inferência lógica. Em suma, as auto- rizações legislativas não podem ser inferidas – têm de ser explícitas e articuladas. Só assim se assegura a participação efetiva da Assembleia da República no processo legislativo sobre as matérias elencadas no artigo 165.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Outro entendimento defraudaria o propósito do regime da autorização legislativa, o qual, muito longe de constituir uma mera formalidade procedimental, reflete um compromisso deli- cado entre a necessidade de um «legislador motorizado», equipado para uma era de legislação massiva que é a nossa, e o valor democrático, perene e imprescindível, da deliberação parlamentar. Revertendo novamente ao caso sub judice , resta apenas concluir que a Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, não contém qualquer autorização legislativa incidente sobre o regime material de emissão de mandado que titule a entrada de funcionários administrativos no domicílio de cidadãos, sem o seu consentimento, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 95.º do RJUE. Desta forma, reiterando a fundamentação aduzida no Acórdão n.º 195/16, impõe-se concluir pela inconstitu- cionalidade orgânica da norma do artigo 95.º, n.º 2, do DL n.º 555/99, de 16 de dezembro, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa». A propósito do argumento de que haveria uma «unidade teleológica e jurídico material» entre os dois momentos – regime material e o correspondente regime adjetivo – refere o Conselheiro Costa Andrade, através da declaração de voto que apôs ao Acórdão n.º 271/17, que: «(…) estão em causa dois momentos distintos tanto no plano normológico como normativo. Uma coisa é legi- timar a invasão do domicílio como espaço territorial da reserva da privacidade/intimidade; outra, muito diferente, é decidir sobre o Tribunal competente para emitir o mandato erigido em pressuposto procedimental daquela forma de invasividade e devassa. Na certeza de que a decisão sobre a segunda não coenvolve, só por si e necessariamente, a decisão sobre a primeira. Pelo menos com o grau de determinabilidade e clareza exigido para as normas que versam sobre a compressão de direitos com a densidade da inviolabilidade do domicílio. Por ser assim, o tratamento de

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=