TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

581 acórdão n.º 159/18 a proposta de lei de autorização de um anteprojeto do decreto-lei a aprovar, a verdade é que o mesmo, «ao contrário das Assembleias Legislativas, não [fica] vinculado a simplesmente reproduzir o texto apresentado» (assim, v. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 343; quanto às autorizações legislativas a conceder às Assembleias Legislativas das regiões autónomas, cfr. o artigo 227.º, n.º 2, da Constituição). Na verdade, o regime constitucional dos limites materiais e formais quanto às autorizações legislativas e aos decretos-leis autorizados consignado nos n. os 2 a 5 do artigo 165.º da Constituição não atribui qualquer relevância à estrutura e organização interna dos diplomas. Como sublinha Jorge Miranda: «[A] autorização legislativa [não] se traduz numa imposição ao Governo para legislar. Por sua iniciativa, o Governo recebe um poder, não um dever. Órgão de soberania distinto do Parlamento, exercerá quando entender (no âmbito temporal da autorização) ou não exercerá esse poder, com a liberdade inerente à função legislativa; tal como, querendo aproveitá-la, não é obrigado a usá-la em toda a sua extensão. Ao legislar precedendo autorização, o Governo, sem dúvida, exerce uma competência sua, não exerce uma competência alheia (ou uma competência alheia em nome próprio); não é um mandatário do Parlamento (ou um representante do Parlamento para esse fim). No entanto, não se trata de um poder que o Governo já possuísse, um poder como qualquer outro, um poder equivalente ao de fazer decretos-leis simplesmente: a Constituição distingue com toda a nitidez [alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 198.º]. É no âmbito complexo da Constituição e da lei de autorização que esse poder do Governo surge – e que surge como poder, por conse- quência, condicionado, derivado e mediato» (Autor cit., ob. cit. , p. 341) À luz da autonomia inerente ao exercício da função legislativa do Governo, que não é anulada pelo exer- cício da competência legislativa autorizada, não se afigura que à referência ao n.º 3 do artigo 95.º do RJUE constante da Lei n.º 100/2015 seja de atribuir outro significado que não o instrumental de indicar a sedes materiae no âmbito do RJUE objeto da autorização legislativa. Assim, nada impediria que o Governo, em vez de conservar a referência expressa no n.º 3 do artigo 95.º do RJUE ao «número anterior» – isto é, ao artigo 95.º, n.º 2, do RJUE, onde se estabelece que o mandado judicial a conceder pelo tribunal mencionado no artigo 95.º, n.º 3, do mesmo diploma, se destina a permitir «a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento», para verificar se as atividades sujeitas a fiscalização nos termos do RJUE aí desenvolvi- das são ou não ilegais –, fundisse estes dois números num só prevendo o seguinte: sempre que seja necessário entrar no domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, e no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais, deve o presidente da câmara municipal, previamente, reque- rer junto dos tribunais administrativos e segundo os termos previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos para os processos urgentes, mandado judicial. A norma, com a respetiva previsão e estatuição completas, seria, nos dois casos, a mesma. Esta possibilidade – e muitas outras haverá – comprova a unidade teleológica e jurídico-material entre os preceitos em causa. A Assembleia da República não pode autorizar que se legisle no sentido de atribuir a com- petência para emitir o mandado judicial em causa aos tribunais administrativos – matéria relevante nos termos da alínea p) do artigo 165.º, n.º 1, da Constituição – sem necessária e simultaneamente autorizar, na sequência da emissão desse mandado, a entrada no domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, e no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais no âmbito do RJUE – matéria relevante nos termos da alínea b) do artigo 165.º, n.º 1, da mesma Lei Fundamental. Com efeito, o que justifica a necessidade de emissão de tal mandado judicial é a proteção da inviolabilidade do domicílio, a que a Constituição reconhece a natureza de direito de liberdade sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias.» Como resulta desta transcrição, a argumentação expendida centra-se fundamentalmente na ideia de que a Assembleia da República, ao autorizar o Governo a legislar sobre o tribunal competente para emitir o mandado para a entrada no domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, autoriza ao mesmo tempo e sem mais o Governo a legislar sobre a intromissão no domicílio.

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