TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

580 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. A divergência fundamental entre as decisões em análise consiste na questão de saber se, tendo entretanto sobrevindo uma nova lei de autorização – a Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto – o juízo de inconstitucio- nalidade orgânica que o Tribunal Constitucional vinha reiterando, designadamente no Acórdão n.º 195/16, se deve manter ou se, ao invés, tal inconstitucionalidade ficou sanada por via das alterações introduzidas ao artigo 95.º – restritas ao n.º 3 – efetivadas ao abrigo dessa nova Lei de autorização. 11. No Acórdão n.º 271/17, conclui-se que o artigo 4.º, alínea b) , da Lei n.º 100/2015 teve como efeito a sanação da inconstitucionalidade orgânica incidente sobre o n.º 2 do artigo 95.º do RJUE: «Em suma, resulta da comparação das duas leis de autorização legislativa: i) Que, relativamente à Lei n.º 110/99, nenhuma das suas alíneas pode constituía credencial parlamentar bastante para que o Governo editasse norma a atribuir ao juiz da comarca competência para a concessão de mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais; ii) Já no que se refere à Lei n.º 100/2015, o respetivo sentido e extensão abrange, de acordo com o disposto no seu artigo 4.º, alínea b) , a atribuição aos tribunais administrativos da competência para conceder mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. Quer dizer, a segunda autorização legislativa reporta-se diretamente a um certo tipo de mandado: precisa- mente, o mandado previsto no n.º 2 do artigo 95.º do RJUE, o qual, por corresponder a uma garantia constitucio- nal em face da ingerência no âmbito de proteção da inviolabilidade do domicílio, está sujeito à reserva de juiz (cfr. o artigo 34.º, n.º 2, da Constituição). Consequentemente, a determinação legal da competência jurisdicional para a respetiva emissão e a natureza do mandado, enquanto garantia da legitimidade constitucional da ingerência no âmbito de um direito de liberdade – nas palavras de Dulce Lopes, acima referidas, o controlo dos parâmetros «que demonstrem que a decisão [de realizar a inspeção que implique a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento] foi proferida e será executada no respeito dos mais basilares direitos dos destinatários da atua- ção da Administração» – são indissociáveis. Por se tratar de uma garantia procedimental-institucional conatural à reserva de juiz, é inaplicável a distinção entre um plano puramente competencial e um plano puramente material que se excluam mutuamente: por outras palavras, autorizar o Governo a legislar sobre o tribunal competente para emitir esse tipo de mandado implica autorizar o Governo a prever e disciplinar tal tipo de mandado, o qual, por natureza, se destina a garantir certo direito fundamental perante uma decisão administrativa já tomada. Tal indis- sociabilidade aparece expressa – aliás, desde a redação originária do artigo 95.º do RJUE – mediante a referência no n.º 3 desse artigo 95.º ao «mandado previsto no número anterior». 6. De qualquer modo, e independentemente deste aspeto formal, certo é que o artigo 4.º, alínea b) , da Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, pré-determina a orientação político-jurídica e o sentido material da alteração con- sagrada pelo Governo no artigo 95.º, n. os 2 e 3, do RJUE, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro: o conteúdo normativo desta redação corresponde exatamente ao programa normativo (Normpro- gramm) estabelecido naquela lei de autorização legislativa. Com efeito, por via daquele preceito legal, o Governo ficou autorizado a cometer aos tribunais administrativos a competência para conceder mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. Como salienta a doutrina, «não é obrigatório, naturalmente, que a autorização contenha um projeto do futuro decreto-lei (como acontece com as autorizações de decretos legislativos regionais)» (assim, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XXVIII ao art. 165.º, p. 337). E mesmo que o Governo faça acompanhar

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