TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

58 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL material genético, implantado na gestante, desenvolvido por esta durante a gravidez e por ela dado à luz, seja tido como seu filho; do mesmo modo, o consentimento da gestante traduz a vontade positiva de que a criança que vier a trazer no seu ventre e que vier a dar à luz não venha a ser sua filha, mas dos beneficiários; esta autovinculação direcionada inerente ao consentimento prestado no âmbito da gestação de substituição explica a dificuldade em separá-lo de um acordo entre as partes e, na verdade, faz todo o sentido acomodar as exigências relativas ao consentimento no próprio contrato. XXVI – Simplesmente, há que não confundir uma legítima acomodação contratual com uma indiferen- ciação ilegítima, atenta a assimetria existente entre o que é consentido pelos beneficiários e pela gestante e a autonomia funcional do consentimento de cada uma das partes no contrato; tal como conformado pela lei em vigor, o consentimento da gestante é prestado  ex ante  relativamente ao início do processo terapêutico de PMA e, a fortiori, à própria gravidez e ao parto, mais exatamente antes da celebração do contrato de gestação de substituição ou nesse momento; tal consentimento baseia-se nas informações a que se reportam os n. os 2 e 6 do artigo 14.º: respetivamente, benefícios e riscos conhecidos resultantes da utilização das técnicas de PMA, bem como das suas implicações éticas, sociais e jurídicas; e significado da influência da gestante no desenvolvimento embrionário e fetal, e o consentimento só pode ser revogado até ao início do dito processo terapêutico de PMA. XXVII – Sucede que a gestação é um processo complexo, dinâmico e único, em que se cria uma relação entre a grávida e o feto que se vai desenvolvendo no seu seio; as características da gravidez condi- cionam decisivamente a possibilidade de um esclarecimento cabal ou de uma informação com- pleta  ex ante  e, consequentemente, a própria posição da gestante face aos beneficiários: não sendo possível antecipar e prever o que vai ocorrer nas várias fases, desde a implantação do embrião até à entrega da criança, pode duvidar-se da existência de um consentimento suficientemente infor- mado e, como tal, adotado com plena consciência de todas as possíveis consequências; inexistindo um esclarecimento suficiente, a escolha realizada também não poderá considerar-se verdadeira- mente livre; em tais condições, caso a gestante se venha a opor à execução do contrato de gestação de substituição, é de concluir que uma eventual execução forçada do mesmo, ou uma penalização pecuniária pelo seu incumprimento devem ser consideradas, como uma afetação não realmente consentida da sua personalidade; em qualquer caso, as referidas características da gestação tam- bém não permitem excluir – bem pelo contrário, antes justificam – uma eventual alteração das circunstâncias que subjetivamente determinaram o consentimento da gestante, fazendo com que o projeto parental inicial não corresponda mais à sua vontade; mais uma vez, a consequência da verificação de tal hipótese será que as obrigações da gestante decorrentes do contrato de gestação de substituição, no momento da sua execução, já não correspondam à vontade da gestante, em termos de a mesma ter de ser forçada a cumpri-las, eventualmente por via direta – como pode- rá suceder com a entrega da criança –, ou, porventura mais frequentemente, por via indireta, mediante o pagamento de indemnizações compensatórias; porém, dada a natureza pessoalíssima de tais obrigações, as mesmas só são compatíveis com a dignidade da gestante, na medida em que o seu cumprimento corresponda a uma atuação por si voluntariamente assumida. XXVIII – Na verdade, do ponto de vista da gestante, o que legitima a sua intervenção na gestação de subs- tituição é a afirmação livre e responsável da sua personalidade – um modo de exercício do direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Consti- tuição, que, em última análise se funda na sua dignidade; ora, tal direito tem de ser assegurado ao

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