TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

577 acórdão n.º 159/18 b) Alterar o n.º 8 do artigo 85.º, o n.º 3 do artigo 95.º e o artigo 112.º do RJUE, no sentido de atribuir aos tribunais administrativos a competência para conceder a autorização judicial para a execução de obras de urbanização por terceiros e para conceder mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais; (…)» 9. OTribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre o âmbito da lei de autorização que legitimou a emanação do RJUE, a propósito de norma conexa com a que é, presentemente, submetida a apreciação, designadamente nos Acórdãos n. os 145/09, 160/12, assim como sobre a específica norma agora em análise, no Acórdão n.º 195/16. Escreveu-se no Acórdão n.º 195/16: «7. A norma sob fiscalização contende com o direito à inviolabilidade do domicílio, consagrado no artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa. O conceito de domicílio, pressuposto pela Lei Fundamental, corresponde a uma noção ampla, adequada à proteção reflexa de vários bens jurídicos fundamentais, como a dignidade da pessoa, o direito ao livre desenvolvi- mento da personalidade e, sobretudo, a garantia da liberdade individual, autodeterminação existencial e garantia da reserva da vida privada (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano- tada, vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, p. 539). Alude-se, a este propósito, à proteção de uma “esfera privada espacial”, reportada a locais funcionalmente cono- tados com a ideia de residência, ou seja, locais em que se pratiquem “atos relacionados com a vida familiar e com a esfera íntima privada” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada , tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2010, p. 759). Em consonância com a proteção da referida reserva, “(…) é possível extrair um requisito fundamental para a determinação do conceito de domicílio: a existência de uma compartimentação espacial suscetível de evitar ou limitar a possibilidade de violações ou entradas” ( Idem , ibidem ). Conclui-se, assim, que o conceito de domicílio, para efeito de proteção constitucional, corresponde ao espaço funcionalmente utilizado como habitação humana, ou seja, “aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde, recatadamente e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar” (cfr. Acórdão n.º 452/89, disponível em www.tribunalconstitucional.pt , sítio da internet onde podem ser encontrados os restantes arestos deste Tribunal, doravante citados. Sobre o conceito de domicílio ver também, entre outros, os Acórdãos n. os 452/89, 507/94, 364/06, 274/07, 216/12). O direito à inviolabilidade do domicílio, inserido no Título II, da Parte I, da Constituição, destinado aos direi- tos, liberdades e garantias, não consubstancia um direito absoluto ou ilimitado. A própria Constituição, no n.º 2 do artigo 34.º, admite que a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei. Fica, assim, definida uma autorização constitucional expressa para o estabelecimento de restrições à inviolabi- lidade do domicílio, que estão sujeitas à reserva de lei – que definirá os seus concretos termos – e ao controlo da autoridade judicial competente. 8. Por força do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, é da competência da Assembleia da República legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias, podendo, porém, o Governo ser chamado a exercer tal facul- dade, através de competente autorização legislativa. Nestes termos, conclui-se que qualquer restrição ao direito à inviolabilidade do domicílio está inserida no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que a possibilidade de o Governo legislar, sobre essa matéria, está condicionada à existência de lei de autorização que abranja esse específico aspeto, no seu conteúdo.

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