TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

575 acórdão n.º 159/18 este órgão só poderia intervir com credencial parlamentar bastante. Com efeito, o facto de o Governo aprovar atos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretam, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Desde que se demonstre que tais normas não criaram um ordenamento diverso do então vigente, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente” (Acórdão n.º 211/17 (…)”.”  15 – O atual n.º 2 do Artigo 95.º do RJUE é uma norma que foi meramente republicada, não tendo sido o Governo autorizado a legislar especificamente sobre a matéria nem ocorreu qualquer sanação do vício de inconsti- tucionalidade. Fazendo ainda referência ao Acórdão anterior, “O raciocínio exposto foi corroborado pelo Acórdão n.º 160/12, quanto à não sanação do vício de inconstitucionalidade orgânica, por força da republicação determi- nada pelo artigo 4.º da Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro, nos seguintes termos: “Na verdade, a mera republicação de decreto-lei governamental, sem que seja acompanhada de alteração do(s) preceito(s) anteriormente ferido(s) de inconstitucionalidade orgânica, constitui um mero expediente de técnica legislativa, que visa facilitar a apreensão do conteúdo normativo dos atos legislativos, sem que signifi- que uma integral novação de toda e cada uma das normas constantes do diploma republicado. Diferente seria, caso a Lei n.º 60/2007 tivesse procedido a uma revogação global do decreto-lei em causa, mediante aprovação de um novo texto normativo, ainda que este recuperasse uma parcela significativa das normas anteriormente vigentes. Não foi isso, porém, o que sucedeu.”  16 – Se interpretarmos a lei num sentido tão amplo e extensivo, sendo esta clara e inequívoca e explícita, incorremos numa violação do princípio fundamental do Estado de direito democrático (Artigo 2.º da CRP) e da Soberania legalidade (Artigo 3.º da Constituição), abdicando da soberania popular, do respeito e garantia de efec- tivação dos direitos e liberdades fundamentais ou da fundação do Estado na legalidade democrática.  17 – Diz-nos o Código Civil, no seu Artigo 9.º, que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (…)”, o que nos leva a crer que, por mais extensiva ou sistemática que a interpretação acerca da norma em causa possa ser feita, não existe qualquer mínimo de correspondência verbal.  18 – Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2010), corroboram com este entendimento quando afirma que os Decretos-lei Autorizados ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Artigo 198.º da CRP “(…) não podem exceder a autorização no qual se baseiam (…)” e “(…) podem versar sobre matéria da reserva da competência legislativa da AR nos precisos termos da lei de autorização. Se não respeitarem essa lei, eles deixam de ter habilitação constitucional, sendo portanto organicamente inconstitucionais, tudo se passando como se faltasse lei de autorização, lá onde o decreto-lei extravasa ou desrespeita a lei. (…)”.  19 – Refere ainda Gomes Canotilho (in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, página 672), que “(…) se as autorizações legislativas não querem limitar-se a cheques em branco, necessário se torna espe- cificar o objecto da autorização, e não indicar apenas, de um modo vago, genérico e flutuante (…), as matérias que irão ser objecto de decretos-leis delegados (princípio da especialidade das autorizações legislativas). Como se diz no direito norte-americano, a lei de autorização deve conter os princípios bases da política ( basic policy standards , e não apenas standards vagos (great standards) ”. 20 – De tudo o exposto, resulta claro que a norma extraída do artigo 95.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (RJUE), na redacção dada pelo artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, que permite a realização de inspecções ao domicílio de qualquer pessoa, sem o seu consentimento, nos termos e para os efeitos do referido diploma, ainda que sem a dispensa de prévio mandado judicial, é organicamente inconstitucio- nal por violação dos da alínea b) do n.º 1 do Artigo 165.º da CRP.» 6. Notificado, o Ministério Público contra-alegou, sustentando a inconstitucionalidade orgânica da norma questionada.

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