TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

57 acórdão n.º 225/18 XXI – Num tal quadro de incerteza quanto aos riscos para o desenvolvimento da criança e de certeza positiva quanto aos benefícios da gestação de substituição para os beneficiários e a própria gestante, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador um significativo espaço de avaliação e de conforma- ção; o dever de proteção da criança, nestas condições, não impõe uma única atuação, em especial a prevenção absoluta de todo e qualquer risco mediante a proibição da gestação de substituição; diferentemente, o cumprimento daquele dever permite diversas soluções que equilibrem os vários interesses em presença, soluções essas que vão desde a proibição de tal forma de procriação até à sua regulação; permitir a gestação de substituição ou proibi-la, corresponde simplesmente a uma opção do legislador, a adotar num quadro de ausência de certezas absolutas sobre se as vantagens sobrele- vam as desvantagens ou vice-versa; consequentemente, a consagração da gestação de substituição no artigo 8.º da LPMA, por si só, não viola o dever de proteção da infância. XXII – Uma outra questão suscitada em conexão com a defesa do superior interesse da criança respeita à possibilidade de criação de famílias monoparentais, que hoje se coloca em consequência da alte- ração do artigo 6.º, n.º 1, da LPMA pela Lei n.º 17/2016; sucede que a constitucionalidade deste preceito não é questionada pelos requerentes, nessa ou em qualquer outra dimensão, razão por que este Tribunal, em obediência ao princípio do pedido, não pode conhecer de tal questão. XXIII – As posições recíprocas da beneficiária, da gestante e da criança nascida na sequência do recurso à gestação de substituição estão perfeitamente definidas do ponto de vista jurídico; consequen- temente, o perfil jurídico-normativo da instituição família, de modo particular no que respeita ao seu âmbito mais restrito – a chamada “família nuclear” –, não é afetado pela gestação de substituição; acresce que o critério da filiação em causa não é (juridicamente) arbitrário, uma vez que se funda na eficácia de um contrato de gestação lícito, que, no ordenamento jurídico portu- guês, à semelhança do que sucede no âmbito de outras ordens jurídicas, desempenha uma função jurídico-social com relevância ao nível da própria Constituição; também não se vislumbra que a garantia institucional da família revista uma definição de contornos tão precisa, que habilite a sua mobilização como obstáculo constitucional a que o legislador ordinário permita a gestação de substituição em determinadas condições; só por si, este modo de procriação não colide com o conceito constitucionalmente adequado de família, pelo contrário, o mesmo modo de procriação apresenta-se como (mais) um fator de dinamização da família, possibilitando o estabelecimento de vínculos de filiação aí onde, por razões de saúde, os mesmos não seriam possíveis. XXIV – A inexistência de uma incompatibilidade de princípio do modelo português de gestação de subs- tituição com a Constituição não significa que determinados aspetos do seu regime jurídico não possam suscitar questões de inconstitucionalidade; não estará em causa o modelo, em si mesmo considerado, mas tão-somente certas soluções adotadas na sua concretização legislativa; desde logo, para a eficácia do contrato de gestação de substituição é essencial o consentimento da gestante; este consentimento livre e esclarecido – é essa a razão de ser do estabelecimento de certas garantias proce- dimentais e organizatórias para a sua prestação –, que a vincula, tem de valer enquanto for condição indispensável à salvaguarda da dignidade da gestante, pois só desse modo pode desempenhar a fun- ção específica que lhe compete no âmbito do regime da gestação de substituição. XXV – Dada a natureza jurídica do consentimento enquanto negócio jurídico unilateral, não é fácil a sua articulação jurídico-formal com o regime do contrato – um negócio jurídico bilateral; o consen- timento dos beneficiários implica a vontade positiva de que o embrião criado com recurso ao seu

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