TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

56 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL acautelamento das consequências psicológicas e emocionais da quebra da ligação uterina decorrente da obrigação de entrega da criança aos beneficiários do contrato de gestação de substituição, pois embora este modo de procriação possa contender com ambos os parâmetros constitucionais em causa – a dignidade da pessoa humana e o dever de proteção da infância –, é diferente a intensida- de do grau de exigência de conformidade de cada um deles: a salvaguarda da dignidade humana impõe-se a qualquer outra consideração, enquanto o dever de proteção da infância admite ponde- rações com outros interesses constitucionais. XVIII – A Constituição, ao admitir a PMA e impor a sua regulação em termos que «salvaguardem a digni- dade da pessoa humana», tem implícita a ideia de que o recurso a técnicas de PMA para concretizar um projeto parental, só por si, não viola a dignidade da criança nascida na sequência de tal forma de reprodução; a gestação de substituição também exige o recurso a uma técnica de PMA, pelo que a sua gravidez compara, neste aspeto, com a gravidez de outras beneficiárias de PMA heteróloga e embora a gestação de substituição se diferencie da aplicação simples de uma técnica de PMA, em virtude de o útero que recebe o embrião pertencer a uma mulher, que não aquela que é consi- derada beneficiária do processo e que será tida como a mãe da criança a nascer, esta diferença em nada interfere com o desenvolvimento intrauterino: da perspetiva do nascituro, o mesmo em nada se distingue por ocorrer no seio do útero da gestante de substituição e após o parto, a criança é entregue à beneficiária prevista  ab initio como sendo a sua mãe, pelo que não se justifica falar num “abandono” da criança logo após o nascimento; por outro lado, a prévia celebração dos contratos que regulam as técnicas de PMA ou a gestação de substituição, que foram indispensáveis para que tal criança nascesse, em nada afetam a sua dignidade; é justificado um paralelismo com o que ocorre em relação à PMA: tal como nesta, o recurso à gestação de substituição para concretizar um projeto parental, só por si, também não viola a dignidade da criança nascida na sequência de tal forma de reprodução. XIX – Esta conclusão não é afastada pela quebra da ligação uterina pressuposta na execução do contrato de gestação de substituição; poderá, nesse caso, estar em causa o superior interesse da criança, mas já não direta e autonomamente a sua dignidade; só se poderia falar de uma afetação da criança na sua dignidade, caso a gestação de substituição implicasse, por si só, uma necessária afetação negativa do novo ser em termos de comprometer o seu desenvolvimento integral num ambiente familiar normal, porém, não existe a evidência de uma necessária lesão da criança causada pela sua separação da mulher que a deu à luz. XX – Quanto à invocada violação do dever de proteção da infância, decorrente da omissão ou deficiente defesa do superior interesse da criança perante o desejo dos pais intencionais de terem um filho, verifica-se inexistirem certezas, seguras e determinadas ou definitivas no que se refere ao impacto negativo no desenvolvimento da criança que foi separada da mulher que a deu à luz, apontando os dados científicos, isso sim, para um impacto positivo da manutenção de tal ligação após o nas- cimento; de todo o modo, também não se exclui que eventuais impactos negativos não possam ser compensados por uma experiência de parentalidade mais intensa, porque muito desejada e alcançada após a superação de enorme sofrimento; do lado dos pais intencionais e da gestante, não pode ignorar-se a relevância constitucional positiva da gestação de substituição, enquanto modo de viabilização de direitos fundamentais dos beneficiários e enquanto expressão possível da autonomia pessoal da gestante.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=