TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
550 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL muito grave, é assim inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade com assento no art.º 18.º da CRP.» 5. O Ministério Público contra-alegou, concluindo nos seguintes termos: «1. Numa jurisprudência uniforme e constante, o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador ordinário goza de uma ampla liberdade de conformação na definição de crimes e fixação de penas, sendo de con- siderar violado o princípio de proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), apenas quando a sanção se apresente como manifesta e ostensivamente excessiva. 2. Em direito sancionatório, essa ampla liberdade de legislador ordinário só pode ser maior, quando exercida fora do âmbito criminal, como é o caso do direito de mera ordenação social. 3. A distinção entre pessoas singulares e colectivas justifica, constitucionalmente, que as coimas aplicáveis a estas últimas sejam de montante superior às aplicáveis às primeiras. 4. A contraordenação consistente na utilização de recursos hídricos sem a respectiva licença é qualificada como contraordenação muito grave pelo artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, em função da especial relevância dos direitos e interesses violados. 5. Na verdade, a existência de um controlo administrativo é essencial tendo em vista a protecção preventiva e eficaz do meio ambiente e dos recursos naturais, direitos fundamentais que exigem do próprio Estado prestações positivas [artigos 9.º, alíneas d) e e) e 66.º da Constituição]. 6. Assim, a norma do artigo 81.º, n.º 3, alínea a) , do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, enquanto, ao qualificar a contraordenação ali prevista como de muito grave, leva a que, por força do disposto no artigo 22.º, n.º 4, alínea b) , da Lei n.º 50/2006, de 28 de agosto, na redacção da Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto, à mesma, quando praticada a título de negligência por pessoa colectiva, corresponda uma coima de € 38 500 a € 70 000, não viola o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional. 7. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso.» II. Fundamentação 8. Delimitação do objeto do recurso 8.1. Importa, antes de proceder ao conhecimento da questão de constitucionalidade que se pretende ver apre- ciada, fazer a sua delimitação precisa. No caso dos autos, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora decidiu manter a decisão do Tribunal de Pri- meira Instância que condenou a recorrente pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação ambiental consubstanciada na utilização de recursos hídricos sem o respetivo título, prevista pelo artigo 60.º, n.º 1, alínea e) , da Lei n.º 58/2005, de 29 de agosto, aplicando-lhe uma coima, especialmente atenuada, no valor de € 25 0000, nos termos dos artigos 81.º, n.º 3, alínea a) , do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, artigo 22.º, n.º 4, alínea b) , da Lei n.º 50/2006, na versão vigente à data da prática dos factos e artigo 12.º, n.º 2, da mesma Lei. Não obstante o valor da coima aplicada – que, por ter sido especialmente atenuado, é inferior ao valor do limite mínimo fixado no artigo 22.º, n.º 4, alínea b) , da Lei n.º 50/2006, na versão vigente à data da prática dos factos –, a recorrente pede que se declare inconstitucional a norma que qualifica de muito grave a contraordenação consubs- tanciada na utilização de recursos hídricos sem o respetivo título, por violação do princípio da proporcionalidade com assento no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). 8.2. Como se pode constatar pelo teor do referido requerimento de recurso, o esforço de argumentação da recorrente assenta fundamentalmente no entendimento de que «a aplicação à recorrente de uma coima, ainda que especialmente atenuada, de € 25 000, é manifestamente desproporcional tendo em conta que o valor que o legislador quis proteger ao instituir a obrigação de que todo o utilizador de recursos hídricos esteja titulado, auto- rizado e licenciado nessa utilização, não foi minimamente afectado dada a ausência de riscos potenciais ou efectiva produção de quaisquer danos no ambiente».
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