TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
542 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Resta saber se, perante tal constatação, o juízo de inconstitucionalidade se impõe inelutavelmente ou se – como propõe o Ministério Público, nas suas alegações – o Tribunal deve fixar uma interpretação normativa conforme à Lei Fundamental, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da LTC. 2.4. Prevê-se no artigo 80.º, n.º 3, da LTC: “[n]o caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em deter- minada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação, no processo em causa”. Não é frequente o uso, pelo Tribunal Constitucional, da faculdade de fixação da interpretação norma- tiva conforme à Constituição, ciente de que tal interpretação compete, por regra, unicamente ao tribunal recorrido. Não obstante, hipóteses há em que tal fixação se revela particularmente útil para (re)conduzir o processo (e a decisão final a proferir no mesmo, pelo tribunal recorrido) ao melhor resultado. Assim, pode ler-se no Acórdão n.º 401/17 (ponto 16) que “[…] uma decisão interpretativa a emitir ao abrigo do artigo 80.º, n.º 3, da LTC [é] justificada nas situações em que, não obstante se conclua pela inconstitucionalidade do sentido normativo relevante para a decisão da situação sub judicie , se verifique que o preceito legal em causa comporta ainda uma outra interpretação (conforme à Constituição), em razão do elemento teleoló- gico da norma em causa e que encontre na sua formulação um mínimo de correspondência verbal (sendo, assim, verdadeira interpretação e não a criação de uma norma para o caso)”. Ou, como se refere no Acórdão n.º 267/17 (ponto 9.): “[…] No domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, já que a este, conforme mencionado anteriormente, compete «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificadamente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constituição (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Com efeito, tal possibilidade é inerente à natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e assegura que a função depu- radora própria da fiscalização concreta da constitucionalidade a seu cargo se exerça sobre normas de direito infraconstitu- cional resultantes de interpretações não unilaterais e, tanto quanto possível, partilhadas pela generalidade dos tribunais. […]” (itálico acrescentado). Admitindo que se trata de uma solução excecional, “[…] uma vez que, em certo sentido, implica que o Tribunal Constitucional se substitua aos tribunais comuns na interpretação das normas jurídicas por aqueles aplicadas nas decisões concretas […]”, o Tribunal, no Acórdão n.º 331/16, salientou que um dos casos em que é possível o recurso ao mecanismo previsto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC é aquele em que se trata “[…] de uma interpretação que claramente a letra da lei não comporta” (ponto 3.). Há, pois, que indagar da viabilidade de uma decisão interpretativa nos presentes autos, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, como sucedeu, v. g. , nos Acórdãos n. os 106/16, 545/14 e 544/14, para citar alguns exem- plos recentes. Para tanto, deve o Tribunal debruçar-se separadamente sobre cada uma das normas em causa no presente recurso, ou seja, por um lado, o artigo 15.º, n.º 1, alínea a) , e n.º 2, e, por outro, o artigo 50.º, n.º 1, alínea b) , e n.º 2, ambos do RJEC. 2.4.1. Relativamente ao artigo 15.º do RJEC, uma primeira conclusão sobressai da simples leitura do preceito: a interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida (já assinalada) não encontra correspondência – diremos mesmo, a mínima correspondência – com a letra da lei. Na verdade, o preceito legal estabelece que se consideram inidóneas para o exercício da atividade de exploração de escolas de condução as pessoas que “estejam inabilitad[a]s, interdit[a]s ou suspens[a]s do
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