TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

539 acórdão n.º 132/18 Figueiredo Dias explica que a consagração desta medida no Código Penal de 1982 revelou ‘o apego do legis- lador penal à convicção básica de que importa retirar às penas todo e qualquer efeito infamante ou estigmati- zante que acresça ao (inevitável) mal da pena’. E que ‘assim se dá expressão legal ao indeclinável dever do Estado de não prejudicar, mas pelo contrário favorecer, a socialização do condenado’ (p. 158). Com a sua consagração constitucional na revisão de 1982 ‘se patenteia o alto grau em que o nosso legislador constitucional prezou princí- pios político-criminais fundamentais, elevando-os, qua tale , à categoria de princípios integrantes da «Constituição político-criminal»’ (p. 160; na mesma linha, o autor refere a questão em ‘Os novos rumos da política criminal e o direito penal português do futuro’, Revista da Ordem dos Advogados, n.º 43, 1983, p. 36). No Diário da Assembleia da República (1.ª série, de 11 de junho 1982, pp. 4176 e seguintes) encontram-se refletidas as considerações que foram tecidas a propósito da introdução deste n.º 4 pela 1.ª revisão constitucional. Disse então a este propósito o Deputado A.: ‘A aprovação do n.º 4 vem obviar (a) algumas disposições ainda hoje vigentes na nossa lei penal, de extraor- dinária violência, como eram as que envolviam, como efeito necessário de certas penas, a perca de alguns direitos. Designadamente, lembro o caso de certas infrações criminais cometidas por funcionários públicos (...) que envolviam necessariamente e como efeito acessório a demissão.’ 7.Este Tribunal pronunciou-se já, em várias ocasiões, sobre o sentido e alcance do artigo 30.º, n.º 4, da Cons- tituição. Assim, merece destaque, desde logo, o Acórdão n.º 16/84 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional [ATC], vol. 2.º, p. 367), no qual se afirmou: ‘[A Constituição] partindo da dignidade da pessoa humana, princípio estrutural da República Portuguesa (artigo 1.º), intentou, através do n.º 4 do seu artigo 30.º, retirar às penas todo o caráter infamante e evitar que a atribuição de efeitos automáticos estigmatizantes perturbe a readaptação social do delinquente). No fundo, o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição deriva, em linha reta, dos primordiais princípios defi- nidores da atuação do Estado de direito democrático que estruturam a nossa Lei Fundamental, ou sejam: os princípios do respeito pela dignidade humana (artigo 1.º) e os de respeito e garantia dos direitos fundamentais (artigo 2.º). Daí decorrem os grandes princípios constitucionais de política criminal: o princípio da culpa; o princípio da necessidade da pena ou das medidas de segurança; o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal; o princípio da humanidade; e o princípio da igualdade. Ora, se da aplicação da pena resultasse, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profis- sionais ou políticos, far-se-ia tábua rasa daqueles princípios.’ No Acórdão n.º 127/84 (publicado em ATC , vol. 4.º, pp. 403 e seguintes), por sua vez, escreveu-se o seguinte: ‘Compreende-se tal solução constitucional. Ela não é mais do que um corolário do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º) nas suas implicações no âmbito da «constituição penal». Com efeito, a perda de direitos civis, profissionais e políticos traduz-se materialmente numa verdadeira pena, que não pode deixar de estar sujeita, na sua aplicação, às regras próprias do Estado de direito democrático, designadamente: reserva judicial, princípio da culpa, princípio da necessidade e proporcionalidade das penas, etc.’ E, na mesma linha, no Acórdão n.º 284/89 (publicado em ATC , vol. 13.º, tomo II, págs. 859 e segs.), este Tribunal entendeu que o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição proibia ‘que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis , efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e

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