TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
538 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Do que se trata neste artigo 156.º, n.º 1, alínea a) , do EOA/84, é de definir as condições essenciais subjetivas de acesso a uma associação pública (Ordem dos Advogados), de inscrição obrigatória para o exercício da respetiva atividade profissional de advogado. De entre essas ‘condições essenciais’ para a inscrição, incluiu-se a ‘idoneidade moral para o exercício da pro- fissão’, prevendo-se que não poderá ser inscrito quem não possua idoneidade moral, nomeadamente, por ter sido condenado por qualquer crime gravemente desonroso. O conceito indeterminado de ‘falta de idoneidade moral’ é concretizado na própria norma, a título exemplificativo, com os casos em que tenha havido prévia condenação em ‘crime gravemente desonroso’. A expressão ‘crime gravemente desonroso’ é, em si mesma, outro conceito inde- terminado, que caberá ao aplicador preencher, no caso concreto, em função da idoneidade moral exigida para o exercício da profissão. O que significa que a condenação prévia num crime não tem como efeito automático nem necessário a impossibi- lidade de inscrição na Ordem dos Advogados. Simplesmente, será avaliado in casu se essa condenação foi aplicada pela prática de um crime ‘gravemente desonroso’ e como tal demonstrativo de que o candidato não possui ‘idoneidade moral’ para o exercício da profissão de advogado. Do exposto resulta que a norma questionada é insuscetível de contender com a proibição constante do artigo 30.º, n.º 4, da CRP. Resta dizer que a condenação anterior em ‘crime gravemente desonroso’ não se mostra um critério despropor- cionado, infundado ou desadequado à avaliação da idoneidade moral para o exercício da profissão de advogado. […]” (itálico acrescentado). A norma do artigo 30.º, n.º 4, da CRP encerra, pois, um sentido particular, nos termos traçados no Acórdão n.º 154/04: “[…] O n.º 4 do artigo 30.º da Constituição foi introduzido na revisão constitucional de 1982, pretendendo-se com este novo número acolher o entendimento de política criminal constante do então recente Código Penal de 1982 (artigo 65.º), que impõe que se retire às penas o seu efeito estigmatizante, para isso determinando que ‘nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos’. Acolhe-se, assim, como princípio jurídico-constitucional, o princípio políticocriminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Lisboa, 1993, p. 159). Este princípio encontrava-se já vertido no artigo 76.º (77.º após a revisão ministerial) do ‘Projeto de Código Penal de 1963’ de que fora autor Eduardo Correia ( separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 157). Sobre as disposições aprovadas em 1982 escreveria depois o autor (Eduardo Correia, ‘O novo Código Penal Por- tuguês e Legislação Complementar’, in Jornadas de Direito Criminal, Fase I, Centro de Estudos Judiciários, p. 29): ‘O Código, aliás em consonância com a Constituição, fez desaparecer o efeito infamante das penas, não considerando seu efeito automático a perda de direitos civis, políticos e profissionais (artigo 65.º). Temos, assim, que todo o labéu, todo o estigma jurídico, se dilui, ficando apenas a possibilidade autónoma ou paralela de cominar penas acessórias.’ Inspirando-se no anteprojeto de Eduardo Correia, Jorge Miranda propusera a consagração deste princípio no projeto de Constituição que apresentara em 1975, e insistiu nele, com sucesso, a propósito de Um Projeto de Revi- são Constitucional (Coimbra, 1980, p. 35). Aí escreveu: ‘O novo n.º 4 tem por fonte o artigo 76.º do anteprojeto de parte geral do Código Penal, de autoria de Eduardo Correia. Já constava do meu projeto de Constituição de 1975.’
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