TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

535 acórdão n.º 132/18 10. O Tribunal Constitucional pronunciou-se já, em várias ocasiões, sobre o sentido e alcance do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. Assim, merece destaque, desde logo, o Acórdão n.º 16/84 (publicado em Acórdãos do Tribu- nal Constitucional [ATC], vol. 2.º, pág. 367), no qual se afirmou: “A Constituição, partindo da dignidade da pessoa humana, princípio estrutural da República Portuguesa (artigo 1.º), intentou, através do n.º 4 do seu artigo 30.º, retirar às penas todo o caráter infamante e evitar que a atribuição de efeitos automáticos estigmatizantes perturbe a readaptação social do delinquente). 11. O n.º 4 do artigo 30.º da Constituição deriva, em linha reta, dos primordiais princípios definidores da atuação do Estado de direito democrático que estruturam a nossa Lei Fundamental, ou seja: os princípios do res- peito pela dignidade humana (artigo 1.º) e os de respeito e garantia dos direitos fundamentais (artigo 2.º). 12. Daí decorrem os grandes princípios constitucionais de política criminal: o princípio da culpa; o princípio da necessidade da pena ou das medidas de segurança; o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplica- ção do direito penal; o princípio da humanidade; e o princípio da igualdade. 13. Ora, se da aplicação da pena resultasse, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profis- sionais ou políticos, far-se-ia tábua rasa daqueles princípios.” 14. “A sua justificação é simultaneamente a de obviar a um efeito estigmatizante das sanções penais e a de impedir a violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade das penas, que impõem uma ponderação, em concreto, da adequação da gravidade do ilícito à da culpa, afastando-se a possibilidade de penas fixas ou ex lege .” 15. Ora, como resulta da análise das normas em questão, é esta ponderação que existe no caso vertente. 16. Tendo a sentença recorrida aplicado, enquadrado e interpretado devidamente as normas legais constitucio- nais aplicáveis ao presente caso em concreto. 17. Fazendo inclusive menção às decisões anteriores do Tribunal Constitucional que fundamento o douto entendimento vertido na sentença recorrida. 18. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a eleger como critério para a aplicação desta norma constitucional a possibilidade de existência, segundo a previsão legal, de juízos de valoração ou ponderação que podem vir a afastar a automaticidade dos efeitos das penas. 19. Conclui-se, assim, que as normas constantes do artigo 15.º n.º 1, al. a) e n.º 2 e do artigo 50.º, n.º 1, al. b) , e n.º 2 da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, ao determinar que se considerem “não idóneas as pessoas que tenham sido condenadas”, tem como consequência, automaticamente, sem qualquer mediação ponderadora numa conde- nação judicial ou numa decisão administrativa concreta, a impossibilidade temporária do exercício de um direito profissional (o direito de escolha de profissão e consequente exercício), ficando essas pessoas, ope legis , impedidas de exercer a profissão. 20. Pelo que deve considerar-se essa norma materialmente inconstitucional por violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição. […]”. Relatado o desenvolvimento do processo no trecho anterior à chegada a este Tribunal, cumpre apreciar e decidir o recurso II – Fundamentação 2. Está em causa, nos presentes autos, uma decisão (recorrida) de recusa de aplicação de normas jurídicas contidas nos artigos 15.º, n.º 1, alínea a) , e n.º 2, e 50.º, n.º 1, alínea b) , e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, de 18 de março – Regime Jurídico do Ensino da Condução (doravante, RJEC). Importa, pois, começar por enquadrar as normas em causa e o sentido com que foram entendidas e aplicadas na decisão recorridas.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=