TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

53 acórdão n.º 225/18 vier a dar à luz – que, correspondendo ainda a uma forma de liberdade negativa de constituir família e de ter filhos, pode ser perspetivada, como uma renúncia (antecipada) «aos poderes e deveres pró- prios da maternidade». V – Os traços essenciais do regime jurídico-positivo devem ser tomados em consideração na ponderação de valores a levar a cabo no presente caso e permitem, desde logo, traçar um perfil da gestação de substituição lícita no ordenamento português, enquanto instituto jurídico ou figura jurídica  a se : a mesma reveste caráter subsidiário e excecional, assume uma natureza meramente gestacional, pres- supõe o consentimento autónomo dos interessados destinado a garantir a sua voluntariedade e tem de ser formalizada por via de um contrato a título gratuito, previamente autorizado, encontrando-se tal competência autorizativa atribuída ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA). VI – O recurso à gestação de substituição é uma prática disseminada a nível mundial, suscitando interro- gações no plano ético, bem como diversos problemas jurídicos; as exigências decorrentes da tutela dispensada aos direitos da criança no plano internacional e da proibição de mercantilizar o corpo humano ou as suas partes e a análise do respetivo enquadramento nos ordenamentos jurídicos de outros Estados permitem traçar um quadro elucidativo do tipo de questões axiológico-jurídicas asso- ciadas a tal modo de procriação; sendo um tema de fronteira e não consensual respeitante à delimi- tação das formas ética, cultural e socialmente aceites de procriar no âmbito do qual interesses até há pouco naturalmente harmonizados podem surgir em oposição, não surpreende que nos ordenamentos que consagram expressamente a dignidade do ser humano como um bem fundamental inviolável, se suscite o problema da compatibilidade de princípio da gestação de substituição, com aquele valor, questão que vem diretamente colocada no presente processo. VII – Face ao artigo 8.º da LPMA, a primeira, e fundamental, questão de constitucionalidade que se coloca a propósito da gestação de substituição é a de saber se os negócios jurídicos legalmente previstos que têm por objeto a utilização temporária do corpo de um ser humano (a gestante) para gerar outro (a criança a nascer por via de tal modo de procriação) não serão incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. VIII– Importa não desconsiderar a natureza gratuita dos contratos de gestação de substituição, que é mais uma garantia de que a atuação da gestante é verdadeiramente livre e, como tal, uma expressão da sua autonomia; não menos importante e significativo, é o diferente sentido e alcance que a gestação de substituição gratuita assume para a gestante, em especial num quadro legal como o português, em que tal método de procriação só é admissível a titulo subsidiário, pelo que a sua intervenção no projeto parental dos beneficiários é co-constitutiva, já que o mesmo não pode assentar exclusiva- mente no desejo de ter filhos destes últimos; é igualmente essencial a solidariedade ativa da gestante, traduzida na vontade de que aqueles concretos beneficiários sejam os pais da criança que ela venha a dar à luz. IX – Para haver gestação de substituição de acordo com as disposições da LPMA, os beneficiários têm de querer ser pais e a gestante tem de querer que os beneficiários sejam pais; por isso mesmo, ao aceitar colaborar ativamente com os beneficiários, a gestante, apesar de se submeter a técnicas de PMA, não assume um projeto parental próprio – ser mãe da criança que vier a dar à luz –, visando antes pos- sibilitar a concretização do projeto parental daqueles; nessa exata medida, este projeto parental, sem

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