TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
521 acórdão n.º 131/18 fundamento bastante. Pelo contrário: o regime estatutário dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas é coerente com o estabelecimento do regime remuneratório em diploma próprio, já que se trata de uma carreira especial, que importa regular em termos uniformes; ao passo que o regime dos traba- lhadores com contrato individual de trabalho é coerente com a afirmação da liberdade contratual e a defi- nição dos patamares remuneratórios mínimos em instrumento de regulamentação coletiva. Sistemicamente contraditório seria, pelo contrário, obrigar a que estes últimos acompanhassem sempre e automaticamente o regime remuneratório dos primeiros, privando o setor empresarial de um instrumento gestionário impor- tante. Complementando estas razões, deve notar-se que o regime remuneratório dos enfermeiros com con- trato individual de trabalho se revelará mais ou menos favorável conforme os respetivos profissionais tenham maior ou menor sucesso na negociação coletiva, não sendo de excluir que – em cenários de maior força na negociação coletiva e/ou necessidade do lado da procura – a dita “desigualdade” se resolva a seu favor, na comparação com os enfermeiros limitados pelo regime estatutário. Quando e se assim for, também essa dife- rença será justificada pela esfera de liberdade contratual em que se movem. 2.6.3. Em suma, os autores: (i) não aportaram ao processo elementos que permitissem a comparação entre a quantidade, natureza e qualidade do trabalho por si prestado e a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado por enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas; e, por outro lado, (ii) não apresentaram razões que permitissem concluir que a mera natureza do vínculo impusesse igual tratamento ao abrigo do princípio da igualdade salarial – pelo contrário, as razões atendíveis são de sinal oposto. Com o que se conclui não ocorrer violação do princípio da igualdade referido à remuneração laboral, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) , da CRP. 2.7. Adicionalmente apontam os recorrentes a inconstitucionalidade orgânica das normas sub judice , pois, no seu entender, contendem estas “[…] com o núcleo essencial do direito fundamental inscrito no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) , da CRP, uma vez que atingem a dimensão irredutível daquela posição jurídica: introduzem legislativamente um critério diferenciador na fixação da remuneração de profissionais pertencen- tes à mesma categoria profissional, sem que exista fundamento racional bastante”. Invocam os recorrentes, a este propósito, o precedente consubstanciado no Acórdão n.º 373/91 para concluir pela violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP. Resulta de tudo o que anteriormente se referiu, desde logo, que o legislador não está a introduzir qual- quer “critério diferenciador” na remuneração de certos profissionais. Encontra-se, apenas, a regular o regime remuneratório de uma carreira especial, que carece dessa mesma regulação, visto que o respetivo regime remuneratório é concretamente fixado por lei. Ao deixar de fora, digamo-lo assim, os enfermeiros com con- trato individual de trabalho, não se está a “diferenciar” o que, à partida, estava já fora do regime estatutário das respetivas carreiras, deixando-se, simplesmente, atuar a liberdade contratual no seu espaço próprio, sem prejuízo das limitações decorrentes da contratação coletiva. Não pode ver-se, pois, nas normas do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, uma intervenção que contenda com o núcleo essencial de um direito “análogo” previsto no artigo 59.º da CRP (para equacio- nar o problema nos termos em que o mesmo foi apreciado no Acórdão n.º 373/91). A referida inconstitu- cionalidade – ainda que existisse, o que está por demonstrar e nem se discutiu no processo – decorreria então das normas que suportam o modelo dualista de coexistência dos regimes privado e estatutário, em particular no setor empresarial, normas essas que não integram o objeto do presente recurso. Não se verifica, pois, a invocada inconstitucionalidade orgânica. 2.8. Os recorrentes invocam, enfim, a violação do princípio da proteção da confiança. A propósito deste princípio, pode ler-se no já citado Acórdão n.º 828/17:
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