TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

520 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2.6. Visto em traços largos o enquadramento da questão a apreciar, realça-se, em primeiro lugar, que os termos em que a mesma se delimita – ou seja, sem dados que permitam uma comparação das condições (quanto, quando e como) em que é prestado o trabalho entre os autores e outro grupo de trabalhadores e sem que tenha havido aplicação de norma em tal sentido (cfr. itens 2.3.2. e 2.5., supra ) –, limita fortemente a pretensão recursória. E limita-a porque, nos termos apontados, ela só teria sucesso se a Constituição obri- gasse a ignorar a natureza do vínculo para efeitos remuneratórios, enquadrando essa distinta natureza numa espécie de categoria suspeita no quadro da consideração da ideia de igualdade – parece-nos intuitivo que regimes legais diferenciados pelo facto jurídico gerador não alicerçam esse elemento de suspeição ontológica. 2.6.1. Assim colocada a questão – apreciando-se, pois, a aptidão genérica da natureza do vínculo para fundar distinções remuneratórias –, o exposto em 2.4. e 2.5. permite concluir, sem dificuldade, que, para efeitos de aplicação do princípio trabalho igual, salário igual, há que determinar se o trabalho em causa é, efetivamente, igual e que, por regra, não é igual (por natureza) o trabalho prestado ao abrigo de um contrato de trabalho em funções públicas, face ao trabalho prestado ao abrigo de um contrato individual de trabalho. Desde logo, o regime estatutário dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas con- tém regras – a título meramente exemplificativo, as atinentes a exclusividade das funções (artigos 20.º e 22.º da LGTFP), recrutamento (artigos 33.º e seguintes da LGTFP e, no caso da carreira especial de enfermagem, artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, regras que não têm paralelo, designadamente, com o que resulta dos artigos 11.º e 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro), avalia- ção no período experimental (artigo 46.º da LGTFP), avaliação do desempenho (artigos 89.º e seguintes da LGTFP), mobilidade (artigos 92.º e seguintes da LGTFP), alterações decorrentes de procedimentos de reorganização de serviços e racionalização de efetivos geradores de valorização profissional de trabalhadores (Lei n.º 25/2017, de 30 de maio – vide, especialmente, o seu artigo 36.º) – que divergem substancialmente das previstas no Código do Trabalho, compondo um regime próprio e diferenciado. Acresce que as carreiras especiais dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas estão sujeitas a regras próprias (vide artigos 84.º e seguintes da LGTFP). Por outro lado, a LGTFP introduz fortes limitações aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, prevendo, designadamente, que estes não podem afastar “[…] as normas legais em matéria de remunerações […]”, salvo em caso de previsão expressa (artigo 144.º, n.º 1, da LGTFP) e estabelecendo um elenco taxativo de matérias que podem ser contempladas no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (artigo 355.º da LGTFP). O regime de especial vinculação dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas con- trasta evidentemente com o dos trabalhadores ao abrigo de contrato individual de trabalho, relativamente aos quais impera a liberdade contratual e a álea do contrato, com a ressalva das normas imperativas, e um espaço mais generoso de regulamentação coletiva. 2.6.2. Face ao que se foi afirmando, torna-se evidente que a pretensão dos recorrentes não pode ser acolhida. Decidir no sentido da procedência do recurso implicaria ignorar as assinaláveis diferenças de regime, atrás apontadas, que separam as duas categorias de trabalhadores em causa, com o que isso traz de desigual- dade (das condições) do seu trabalho. Afirmar um direito à igualdade do salário, nestas circunstâncias significaria, ademais, obrigar a uma forte desarmonia sistémica, pois o legislador deixaria de poder dotar o setor empresarial, na área da saúde, de instrumentos de contratação jurídico-privados que visam proporcionar uma maior flexibilidade na gestão dos recursos humanos, sendo legítimo prosseguir o interesse da maior eficiência e racionalização dos recur- sos disponíveis. Negar ao legislador margem de conformação nesta matéria não apresentaria, como vimos,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=