TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
52 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL legitimidade da dispensa da instauração da averiguação oficiosa da paternidade relativamente a crian- ça nascida de uma mulher que tenha recorrido, a título individual, ou seja, fora do contexto de um casamento ou de uma união de facto, a técnicas de PMA para engravidar. II – A LPMA, que regula a utilização de técnicas de PMA, foi aprovada em 2006, tendo em vista dar cumprimento ao dever de regulamentar tal matéria estatuído no artigo 67.º, n.º 2, alínea e) , da Constituição; as normas ora questionadas resultam de alterações legislativas introduzidas na LPMA pelas Leis n.º 17/2016, de 20 de junho, e n.º 25/2016, de 22 de agosto; a Lei n.º 17/2016 alargou o âmbito dos beneficiários das técnicas de PMA, passando a prever que as técnicas de PMA podem ser utilizadas por todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade e, que podem recorrer às técnicas de PMA os casais de sexo diferente ou os casais de mulheres, respetivamente casa- dos ou casadas ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges, bem como todas as mulheres independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual; já a Lei n.º 25/2016 regula o acesso à gestação de substituição, limitando-o aos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez ou, ainda, «em situações clínicas que o justifiquem». III – A alteração da LPMA feita pela Lei n.º 25/2016 visou permitir e regular o acesso à gestação de substi- tuição a título excecional e em determinadas condições, superando, desse modo, a anterior proibição absoluta; nessas circunstâncias, o contrato de gestação de substituição, desde que autorizado pela entidade administrativa competente, é lícito e, por isso mesmo, eficaz; verificando-se o nascimento de uma criança na sequência da execução de um contrato de gestação de substituição eficaz, a lei deter- mina o afastamento do critério geral de estabelecimento da filiação, seja em relação à mãe, seja em relação ao pai, passando a mesma criança a ser tida como filha de quem figura como beneficiário no dito contrato; embora sujeita a uma técnica de PMA, a gestante não é, todavia, considerada benefi- ciária da mesma, já que a gravidez visada, uma vez concretizada, será suportada por conta de outrem, no sentido de que as responsabilidades parentais relativamente à criança que vier a nascer não serão assumidas por si, mas pelos terceiros com quem previamente contratou. IV – O consentimento é um pressuposto essencial do próprio contrato, que dele se autonomiza em ter- mos funcionais e obedece a um regime próprio; o consentimento da gestante e dos beneficiários no âmbito da gestação de substituição é muito mais complexo e abrangente do que aquele que é exigido aos beneficiários no âmbito da utilização das técnicas de PMA; desde logo, porque diferentemente deste último, não tem apenas um caráter autorizante, com referência à utilização das técnicas de PMA, mas uma natureza vinculante para quem o emite, obrigando em conformidade; não obstante, o consentimento dos beneficiários e o da gestante, não só não são simétricos como, sobretudo, não são consumidos pelo contrato que beneficiários e gestante celebram entre si, em especial, no que se refere ao consentimento prestado pela gestante, a atividade consentida não se esgota num ato único ou num conjunto de atos pontuais de utilização das técnicas de PMA; o seu consentimento abrange necessariamente a gravidez, a qual é suportada ou vivida, necessariamente também, no interesse dos beneficiários, e o próprio parto da criança, que é igualmente suportado necessariamente também no interesse daqueles, ou seja, o consentimento da gestante implica a vontade positiva de que a criança que vier a trazer no seu ventre e que vier a dar à luz não seja tida como sua filha, mas antes como filha dos beneficiários e daí a assunção da obrigação de entrega a estes últimos – e não a quaisquer terceiros – da criança nascida, sendo neste contexto que deve entender-se a referência à renúncia «aos poderes e deveres próprios da maternidade»; é esta escolha da gestante – não ser mãe da criança que
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