TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

519 acórdão n.º 131/18 e o complexo de direitos e de deveres funcionais, é matéria de reserva relativa da Assembleia da República, cabendo ao Governo estabelecer os respetivos desenvolvimentos através de decretos-lei de desenvolvimento [alínea t) , n.º 1, do artigo 165.º e alínea c) , n.º 1, do artigo 198.º, da CRP]. Por outro lado, os trabalhadores da Administração Pública, no exercício das suas funções estão exclusivamente ao serviço do interesse público (n.º 1 do artigo 269.º e 271.º da CRP). Ainda que se admita que da Constituição não decorre um modelo de vínculo laboral puramente estatutário, o certo é que a Administração Pública está, na sua autonomia pública e privada, sujeita a parâmetros de juridicidade que não vinculam, na mesma medida, a generalidade dos cidadãos, na específica margem de liberdade decorrente da sua autonomia privada. Não obstante haver elementos que aproximam a relação de emprego público à relação jurídica privada, como é o caso da equiparação entre trabalhadores do setor privado e público quanto à titularidade e exercício de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores – objetivo da alteração que a primeira revisão constitucional fez ao n.º 1 do artigo 269.º, ao substituir a expressão “funcionários” pela alternativa “trabalhadores da Administração Pública” – a verdade é que se extraem da Constituição muitos aspetos da conceção estatutária da relação de emprego público. A manutenção de uma acentuada unilateralidade na fixação do regime das relações de emprego público e a importância do interesse público revelada pelos artigos 165.º, n.º 1, alínea t), 266,º, n.º 2 e 269.º, n.º 1 singularizam o regime da relação de emprego público perante a relação de emprego privada. Ora, a especificidade da relação de emprego público em face do regime de emprego privado também se mani- festa no domínio da contratação coletiva. O direito de contratação coletiva das relações de trabalho é reconhecido aos trabalhadores da Administração Pública (artigo 56.º, n.º 3 da CRP). Todavia, encontra-se sujeito a maiores condicionalismos do que no setor privado, pelo facto do núcleo essencial da relação de emprego público continuar a ser unilateralmente fixado pelo Estado, por via da reserva relativa de competência legislativa, e pela subordinação da Admi- nistração Pública e dos seus trabalhadores ao interesse público. As limitações à autonomia coletiva nas relações de emprego público andam associadas à necessidade de garantir a especificidade do regime jurídico-funcional dos trabalhadores públicos. É esse objetivo que justifica, por exem- plo, a existência de modalidades especiais de autorregulação coletiva dos vínculos laborais (artigo 2.º do RCTFP); de um “sistema de articulação” em detrimento de um “sistema de concorrência” de instrumentos de regulação coletiva (artigo 343.º do RCTFP); a legitimidade do Ministério das Finanças para a celebração desses acordos, dada a necessidade de os compatibilizar do ponto de vista financeiro (artigo 347.º do RCTFP). Essa diferença substancial revela-se logo ao nível da contrapartida económica da prestação de trabalho: enquanto no regime de contrato individual de trabalho, a fixação das remunerações é um campo de “natural soberania” da autonomia coletiva, e portanto, um domínio especialmente aberto à regulação coletiva (Acórdão n.º 229/94), no regime de emprego público, as remunerações constituem matéria de «bases» do regime da função pública, não podendo ser alteradas por instrumentos de regulação coletiva de trabalho (artigo 206.º do RCTFP, correspondente ao atual artigo 144.º, n.º 1, da LTFP). Em matéria de remunerações, essa possibilidade só poderá ocorrer ao nível dos suplementos remuneratórios, sem prejuízo de terem que ser criados por lei, o que significa que por via de tais instrumentos não se pode instituir novos suplementos mas apenas disciplinar os existentes (artigo 81.º, n.º 2, da Lei n.º 12-A/2008). […]” (itálicos acrescentados, mantendo-se as considerações em causa válidas, mutatis mutandis , face ao regime instituído pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, doravante LGTFP). Não é, pois, indiferente para a solução do caso o regime de vinculação, até mesmo porque “[…] o princí- pio de que para trabalho igual salário igual, como qualquer princípio constitucional, deve ser conjugado com outros princípios constitucionais e, concretamente, neste âmbito específico [das relações jurídico-privadas], carece de ser articulado com o princípio geral da autonomia privada, com a liberdade de empresa e com a própria liberdade de filiação sindical” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Lisboa, 2010, p. 1155). Já foi, até, assinalado que se impõe “redescobrir todo um mundo de matizações na transposição do plano das relações entre trabalhadores e entidades públicas para o domínio da relação entre privados” (Rui Medeiros, O direito fundamental à retribuição – em especial, o princípio a trabalho igual salário igual, Lisboa, 2016, p. 31).

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