TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
502 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de diferenças de horas de trabalho entre enfermeiros que exerçam funções em instituições do Serviço Nacional de Saúde apenas com base na natureza jurídica da relação de emprego por violação do princípio da proteção da confiança. 2. Essas violações resultam da interpretação das citadas normas, que delas fizeram o Douto Acórdão do Tribu- nal da Relação do Porto, e segundo as quais: a) ‘Em palavras sintéticas: o legislador quis expressamente criar dois regimes distintos, parificando as carreiras, mas só até ao ponto em que, ressalvando outras virtualidades da gestão empresarial, mas concretamente em matéria retributiva, por via do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 247/2009, lhe interessou remeter para mode- los de gestão empresarial, suscetíveis de negociar valores mais rentáveis em sede de negociação coletiva, ou de, como as partes reconhecem, tais valores serem negociados por contrato individual, na ausência, até ao momento, de publicação de qualquer instrumento de regulamentação coletiva de trabalho’. b) Os Venerandos Desembargadores subscreveram também a posição do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto n.º 9706/16.6T8PRT.1, no sentido de que o ‘facto de os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 248/2009 terem sido reposicionados em termos salariais nos termos do Decreto-Lei n.º 122/2010, não resulta diretamente uma discriminação face a enfermeiros com contrato individual de trabalho abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 247/2009 que não tenham sido reposicionados nos mesmos moldes, uma vez que os regimes legais aplicáveis a enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e com contrato de trabalho individual, embora muito harmonizados, pelo menos, e em matéria retributiva, a diversidade que vem da autonomia de gestão consagrada pela opção do modelo empresarial das unidades de saúde’ (itálico nosso). c) Tal entendimento, torna prejudicada a ‘interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, nos termos que vieram determinar a condenação constante na sentença recorrida, viola o princípio constitucional da igualdade, conduzindo à discriminação dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas’, apesar de laborarem mais 5 horas semanais. d) Foi ainda entendimento dos Venerandos Desembargadores que ‘inexiste, nos diplomas supracitados, qual- quer preceito que imponha à ré uma alteração contratual nos períodos normais de trabalho individual- mente acordados com cada um dos autores… inexistindo discriminação salarial, não pode reconhecer-se aos autores, o direito pretendido.’ Ora, 3. As normas dos artigos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, bem como o preceito do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, são material e organicamente incons- titucionais, na interpretação segundo a qual o regime remuneratório contido no primeiro diploma se aplica sub- jetivamente apenas aos enfermeiros em contrato de trabalho em funções públicas, permitindo-se a introdução de diferenças remuneratórias entre enfermeiros que exerçam funções em instituições do Serviço Nacional de Saúde apenas com base na natureza jurídica da relação de emprego. 4. O direito fundamental consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição da República Portuguesa é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, vinculando diretamente todas as pessoas coletivas inte- grantes da Administração Pública em sentido orgânico. 5. Os hospitais organizados sob a forma jurídica de entidade pública empresarial são pessoas coletivas públicas que desenvolvem uma atividade administrativa de gestão privada, integrando a Administração Indireta do Estado. 6. Quaisquer atos legislativos restritivos do conteúdo essencial dos direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias devem revestir formalmente a veste de lei da Assembleia da República. 7. Não são constitucionalmente admissíveis quaisquer leis, atos ou regulamentos administrativos, contratos individuais de trabalho ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que introduzam, no âmbito da mesma organização, diferenciações remuneratórias como contrapartida da prestação de trabalho com a mesma quantidade, natureza e qualidade. […]
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