TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

490 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL quais, isoladamente considerados, facilmente revelarão diferenças ou singularidades, que não retratam necessariamente a globalidade de toda a posição jurídica a considerar –, mas antes na ponderação do conjunto de direitos e obrigações que entretecem as relações jurídicas em torno das quais se definem os objetos da comparação. Se assim não fosse, o legislador ficaria incompreensivelmente limitado a uma constante parificação formal, inadaptável às exigências de modelação que lhe são colocadas; V – Exercendo funções, num mesmo hospital constituído e organizado como entidade pública empresa- rial (E.P.E.), enfermeiros com contrato individual de trabalho e, simultaneamente, outros enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas que auferem remuneração superior à dos primeiros, e não resultando estabelecido no processo (como aqui sucedeu) que os primeiros prestam trabalho com a mesma natureza, qualidade e quantidade (horário de trabalho, designadamente) do que o trabalho dos segundos, a questão da eventual violação do princípio da igualdade fica reduzida ao plano, ten- dencialmente abstrato, de apurar se, apesar da diferença dos regimes de vinculação, aquele princípio obriga a fixar remuneração dos enfermeiros com contrato individual de trabalho nos mesmos termos que se encontram previstos para os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas; VI – Os termos em que a pretensão recursória se molda – ou seja, sem dados que permitam uma comparação das condições (quanto, quando e como) em que é prestado o trabalho entre cada um dos assinalados grupos de enfermeiros –, limitam-na fortemente, visto que, nos termos apontados, ela só teria sucesso se a Constituição obrigasse a ignorar a natureza do vínculo para efeitos remuneratórios, enquadrando essa distinta natureza numa espécie de categoria suspeita no quadro da consideração da ideia de igualdade; VII – Assim colocada a questão, há que determinar se o trabalho em causa é, efetivamente, igual. No entanto, por regra, não é igual (por natureza) o trabalho prestado por enfermeiros ao abrigo de um contrato de trabalho em funções públicas, face ao trabalho prestado por enfermeiros ao abrigo de um contrato indi- vidual de trabalho. As regras do regime estatutário dos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas – a título meramente exemplificativo, as atinentes a exclusividade das funções, recrutamento, avaliação no período experimental, avaliação do desempenho, mobilidade, alterações decorrentes de procedimentos de reorganização de serviços e racionalização de efetivos geradores de valorização profis- sional de trabalhadores – divergem substancialmente das previstas no Código do Trabalho, compondo um regime próprio e diferenciado. Acresce que as carreiras especiais dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas estão sujeitas a regras próprias. Por outro lado, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – LGTFP introduz fortes limitações aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, prevendo, designadamente, que estes não podem afastar “[…] as normas legais em matéria de remunerações […]”, salvo em caso de previsão expressa e estabelecendo um elenco taxativo de matérias que podem ser contempladas no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho; VIII– O regime de especial vinculação dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas contrasta evidentemente com o dos trabalhadores ao abrigo de contrato individual de trabalho, rela- tivamente aos quais impera a liberdade contratual e a álea do contrato, com a ressalva das normas imperativas, e um espaço mais generoso de regulamentação coletiva; IX – Afirmar uma violação do princípio da igualdade nestas circunstâncias implicaria ignorar as assinaláveis diferenças de regime que separam as duas categorias de trabalhadores em causa, com o que isso traz de desigualdade (das condições) do seu trabalho. Reconhecer um direito à igualdade do salário, nestas cir- cunstâncias significaria, ademais, obrigar a uma forte desarmonia sistémica, pois o legislador deixaria de

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