TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
49 acórdão n.º 157/18 de diferenças insuscetíveis de se credenciarem racionalmente, a verdade é que o Acórdão parece acabar por recorrer à ideia de evidência para limitar, ainda mais, o controlo dessa ausência de credenciação racional. E é nesse ponto que dele também me afasto. Não creio que as diferenças de tratamento apenas devam ser censu- ráveis se for evidente que a desigualdade entre pessoas ou situações não dispõe de um qualquer fundamento razoável, como afirma ou Acórdão. Com isto, parece, não se reduz o controlo, somente, à necessidade de aferir da inexistência de uma fundamentação básica das diferenças, já que a função de invalidar as escolhas do poder legislativo por violação do princípio da igualdade ocorreria, segundo o Acórdão, apenas quando a desigualdade de tratamento nelas contida for “à evidência irrazoável”. Como tal, o caminho percorrido, embora acentue a existência de níveis de densidade de controlo distin- tos, afirmando, num dos níveis, um controlo mais forte, parece acabar por atenuar de tal modo o controlo negativo que remete, de novo, o Tribunal a um “minimalismo ou autocontenção judicial extrema” (Novais, Jorge Reis, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa , Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 112). Isto sucede, na minha opinião, por o Acórdão, apesar de invocar um novo nível de controlo que vai além do afastamento das desigualdades arbitrárias, o que é, a meu ver, indiscutivelmente, positivo (e sem esquecer que o seu âmbito de funcionamento será sempre de difícil de circunscrever), acabar por trans- formar o primitivo nível, relativo ao controlo negativo de princípio da igualdade, num controlo que apenas assinala a ausência de credenciação racional flagrante das medidas, alargando a margem de conformação do legislador, por passar a ser possível aceitar um conjunto cada vez mais amplo de argumentos justificadores da diferença, já que se admitirá uma fundamentação mínima das diferenças introduzidas. Acontece que, uma coisa, será fazer funcionar o princípio negativo de controle, que constitui o patamar mínimo de controlo, para afastar soluções insuscetíveis de se credenciarem racionalmente, ou seja, para afastar soluções que estabe- lecem desigualdades que não têm fundamento material suficiente. Outra, muito menos exigente, será apenas afastar as medidas legislativas quando o seu fundamento seja evidentemente irrazoável. O que deve relevar deve ser a ausência de fundamento racional, independentemente da exigência de que este seja ostensiva ou evidentemente irrazoável. Exigir, para que se considere violado o princípio da igualdade enquanto limite externo, não apenas que falte uma credenciação racional da diferença, mas, acrescidamente, que a solu- ção adotada configure uma desigualdade de tratamento, não apenas irrazoável, mas, à evidência irrazoável, diminui o poder de controlo judicial de constitucionalidade mais ainda, vendo-se reduzida ao mínimo dos mínimos a necessidade de fundamentação do legislador no estabelecimento de diferenciações, cabendo ao tribunal invalidar somente os casos extremos e flagrantemente arbitrários. Tendo, ainda, em conta que o Tribunal Constitucional também vem admitindo, como bem refere o Acórdão, um controlo da igualdade proporcional, a invocação de controlo de mera evidência, que para este seja também transposto, terá, também aqui, uma vez mais, a virtualidade de reduzir fortemente o controlo judicial das opções legislativas em matéria de violação do princípio da igualdade, que, seguindo-se este caminho, muito dificilmente deixarão de passar o crivo da constitucionalidade. Na verdade, no Acórdão, a necessidade de que a desigualdade de tratamento seja “à evidência irrazoável” não surge relacionada apenas com a invocação do fundamento, como acima referimos, mas, igualmente, “quanto à medida, extensão ou grau em que surge concretizada”, logo, também já associada ao controlo da igualdade proporcional. Ora, como venho fazendo, distancio-me deste entendimento que, tendencialmente, reduzirá a quase nada, agora quanto ao respeito pelo princípio da igualdade, o controlo judicial da constitucionalidade das medidas. – Catarina Sarmento e Castro. DECLARAÇÃO DE VOTO Subscrevi a decisão que não declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nem a ilegali- dade da norma constante do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei
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