TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
486 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Resta então aplicar o teste de proporcionalidade em sentido estrito à situação em presença, identifi- cando o interesse público em presença que justifica, aos olhos do legislador, a lesão da legítima expectativa do cidadão. O Acórdão n.º 158/08, ponto 2.2., refere uma justificação possível para a norma: «Como anota Antó- nio José Simões de Oliveira ( Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado , Coimbra, 1973, p. 119), esta norma – tendo por pressuposto a conveniência de “uma verificação administrativa do direito de requerer a aposentação” – visou acautelar as situações em que entre a data do requerimento e a da resolução do processo de aposentação decorra largo tempo, no decurso do qual o funcionário, em princípio, se manteve ao serviço, com mais tempo aproveitável para a aposentação e eventual superveniência de outras alterações relevantes, designadamente ao nível remuneratório, sendo manifestamente injusto, em tal quadro, calcular a pensão à data do requerimento [No sentido da inconstitucionalidade da referida norma se interpretada no sentido de aplicar alterações de regime desfavoráveis ao interessado surgidas após a data do requerimento – questão que não está em causa no presente recurso – cfr. José Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação, Coimbra, 2003, p. 161]» (Acórdão n.º 158/08, 2.ª Secção, ponto 2.2.). No entanto, se o interesse público prosseguido for o de permitir a contagem do tempo de serviço entretanto decorrido, a questão escapa à presente análise, por esta apenas dizer respeito à determinação do regime legal aplicável a determinado pedido de aposentação e não à situação de facto a ser tida em conta. Se o interesse público justificativo for a possibilidade de aplicação de regime legal superveniente mais favorável ao requerente, então no caso presente tal não poderá prevalecer, pois da aplicação da norma em causa resulta uma situação mais lesiva para o cidadão. Um outro interesse público que pode ser identificado é o da sustentabilidade do sistema de aposenta- ções. De facto, pode ser argumentado que existe um interesse geral em que uma determinada alteração ao regime de pensões, fundada na garantia da sua sustentabilidade, vigore de forma mais abrangente possível. Esta é uma área em que deve ser assegurada uma grande margem de discricionariedade para o legislador, como o Tribunal Constitucional tem admitido. No entanto, o sacrifício que é imposto ao cidadão por esta norma, mesmo à luz deste interesse público, revela-se excessivo. Ao requerer a aposentação, no momento em que está a exercer esse seu direito, o reque- rente não tem forma de antecipar, com o mínimo de certeza, qual o regime que lhe será aplicável – se o que se encontra em vigor, se um qualquer outro. Trata-se de uma situação de absoluta dependência da discricio- nariedade administrativa quanto ao momento em que o despacho de reconhecimento é proferido. A norma em causa coloca, pois, o requerente numa situação de total incerteza e insegurança de qual será o regime apli- cável ao seu futuro e ao montante e condições da sua pensão após ter requerido a aposentação. Esse caráter absoluto da incognoscibilidade do regime aplicável ao cidadão torna excessiva a norma objeto de fiscalização, levando à inelutável conclusão de que existe uma violação do princípio da tutela da confiança. É por esse motivo que a norma que determina que o regime jurídico aplicável a um pedido de apo- sentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade é o decorrente da lei em vigor na data em que é proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação, decorrente da interpretação do artigo 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, é também julgada inconstitucional por violação do princípio da tutela da confiança, decorrente do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição 12. O acórdão recorrido também desaplicou a norma objeto de fiscalização por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição. O princípio da igualdade não proíbe o legislador da realização de todas e quaisquer distinções, mas apresenta-se aqui, como decorrência do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, como limite objetivo da discri- cionariedade legislativa, proibindo o arbítrio. O legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação, pode estabelecer diferenciações de tratamento, desde que fundadas racional e objetivamente e ditadas pela razoabi- lidade (cfr., neste sentido, por exemplo, o Acórdão n.º 609/17, ponto 11). Ora, a circunstância de a norma em causa colocar os cidadãos numa situação de absoluta dependência da discricionariedade administrativa
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