TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
483 acórdão n.º 130/18 da Constituição», daí resultando «a sua desaplicação» (fls. 108 e 110, verso). Para concluir dessa forma a apreciação da questão, o tribunal atendeu ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 195/17, da 3.ª Secção, e à Decisão Sumária n.º 235/17. O referido Acórdão n.º 195/17 julgou «inconstitucional, por violação dos artigos 2.º e 13.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, no segmento que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação». Do mesmo modo, concluiu a Decisão Sumária n.º 235/17, remetendo a para a fundamentação daquele aresto. 8. O Acórdão n.º 195/17 fundamentou a sua decisão, no que diz respeito à violação do princípio da segurança jurídica, da seguinte forma (ponto 12): «(…) o Estado de direito não está apenas vinculado a acautelar a confiança que inspirou nos cidadãos. Está também vinculado a inspirar essa confiança, o mesmo é dizer, a criar as condições possíveis e indispensáveis para que estes possam planear as suas vidas e realizar investimentos em segurança. Trata-se aqui da vertente prospetiva da segurança: a previsibilidade do comportamento estadual e a consequente determinabilidade das consequências jurídicas das decisões dos particulares. Um Estado cujo poder executivo não se contém nos limites da legalidade; cujas leis são sistematicamente secretas, obscuras e vagas; cujos tribunais não são independentes; ou cujos regimes legais admitem exceções invocáveis ad nutum ; um tal Estado, como é fácil de reconhecer, não inspira qualquer con- fiança nos cidadãos – e, por essa razão, não pode dizer-se que lese a confiança que neles gerou –, mas nem por isso deixa de postergar a segurança que a submissão do poder público ao direito impõe. Por outras palavras, o Estado de direito está simultaneamente vinculado a salvaguardar a confiança que inspirou nos cidadãos (vertente retrospe- tiva) e a inspirar neles confiança na previsibilidade e na integridade do seu comportamento (vertente prospetiva). À luz desta vertente prospetiva da segurança jurídica, é evidente que a solução contida no artigo 43.º, n.º 1, do EA, é constitucionalmente censurável. (…) Por um lado, ao cindir o momento do exercício do direito à aposentação voluntária do momento determinante para efeitos de fixação do regime aplicável, a norma sindicada estabelece uma situação de incerteza sobre as con- sequências da decisão de o funcionário se aposentar, expondo-o à álea do devir legislativo em matéria de cálculo das pensões de aposentação. É certo que, nos termos do n.º 6 do artigo 39.º do EA, o requerente pode desistir do pedido de aposentação até à data em que seja proferido o despacho a reconhecer o respetivo direito, pelo que a sua decisão não é irreversível; mas nem essa reversibilidade neutraliza os efeitos negativos da incerteza, na medida em que esta persiste no momento em que é exercido o direito, nem ela é inteiramente controlável pelo requerente, porque a sua efetividade está condicionada pela álea administrativa do momento da prolação do despacho. Em suma, no momento em que decide aposentar-se, o funcionário não sabe com o que pode contar, nem mesmo sabe se é do seu interesse aposentar-se. Por outro lado, ao fixar o regime aplicável à aposentação com base na lei em vigor, não no momento do requerimento, mas no momento em que é proferido o despacho, o Estado não apenas subtrai ao interessado o domínio sobre uma matéria com vastas implicações na sua vida, como se reserva a faculdade de, através da decisão discricionária quanto ao momento da prolação do despacho, assumir ele próprio controlo integral sobre a situação em benefício próprio. É imaginável, por exemplo, que, estando em preparação legislação destinada a alterar as fórmulas de cálculo das pensões de aposentação em sentido desfavorável aos interessados, e implicando semelhante alteração uma poupança significativa de recursos públicos, sejam dadas instruções para que os processos pendentes não sejam despachados até à entrada em vigor do novo regime. Semelhante possibilidade de manipulação, ainda que meramente teórica, constitui um fator adicional de insegurança para os destinatários, porque à imprevisibili- dade das consequências das suas decisões soma-se o risco de o Estado poder intervir ad nutum , e no seu próprio interesse, no sentido de precipitar um cenário desfavorável. Ao reservar-se tal faculdade arbitrária, pois, o Estado inspira a desconfiança dos cidadãos na sua integridade, agravando a insegurança jurídica.
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