TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
480 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL imprevisível por parte do cidadão, sem qualquer limite, dependendo a determinação do regime apli- cável apenas de um ato da Administração; o cidadão é remetido para uma posição de incerteza quanto ao regime que lhe será aplicado, apenas determinado pelo momento em que a Administração pratica o despacho de reconhecimento, dentro da sua discricionariedade, sendo claro que se frustra a legítima expectativa do cidadão de cognoscibilidade desse regime no momento de exercício do seu direito. IV – Sendo o problema em discussão a excessiva indeterminação da norma quanto ao regime que é apli- cável, não faz sentido utilizar a norma objeto de apreciação por violação do princípio da tutela da confiança devido à sua indeterminação, para afirmar a inexistência de legítimas expectativas (logo, a necessária não violação do princípio da tutela da confiança) precisamente por causa dessa indetermi- nação; o problema que deve ser objeto de análise é exatamente o facto de a norma, por existir, contra- ditar as legítimas expectativas dos cidadãos. V – Tendo que se concluir pela verificação de existência de legítimas expectativas dos cidadãos no conheci- mento do regime aplicável à sua aposentação, nomeadamente ao cálculo da sua pensão, no momento em que a requerem, sendo inegável que, nesse momento, as pessoas em causa terão feito os seus planos de vida tendo em conta a possibilidade de saber qual seria o determinado nível de pensão aplicável, resta aplicar o teste de proporcionalidade em sentido estrito à situação em presença, identificando o interesse público em presença que justifica, aos olhos do legislador, a lesão da legítima expectativa do cidadão. VI – Se o interesse público justificativo for a possibilidade de aplicação de regime legal superveniente mais favorável ao requerente, então no caso presente tal não poderá prevalecer, pois da aplicação da norma em causa resulta uma situação mais lesiva para o cidadão; quanto ao interesse público da sustentabi- lidade do sistema de aposentações, o sacrifício que é imposto ao cidadão por esta norma, mesmo à luz deste interesse público, revela-se excessivo, tratando-se de uma situação de absoluta dependência da discricionariedade administrativa quanto ao momento em que o despacho de reconhecimento é proferido; a norma em causa coloca o requerente numa situação de total incerteza e insegurança de qual será o regime aplicável ao seu futuro e ao montante e condições da sua pensão após ter requerido a aposentação, o que leva à inelutável conclusão de que existe uma violação do princípio da tutela da confiança, decorrente do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. VII – A circunstância de a norma em causa colocar os cidadãos numa situação de absoluta dependência da discricionariedade administrativa relativamente ao regime jurídico que lhes é aplicável – que funda o juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela da confiança – justifica que se con- clua pela violação também do princípio da igualdade; efetivamente, se a norma em causa não contém um critério, prévio e cognoscível, que permita ao cidadão conhecer o regime e limite a discricionarie- dade da administração, ela permite o tratamento diferenciado de dois cidadãos, em posição idêntica, que tenham requerido a aposentação simultaneamente, sem que exista qualquer fundamento material suficiente justificante.
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