TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
476 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL causa a impugnação, perante uma outra instância, da medida concreta da pena de multa. A natureza pecu- niária da pena de multa, quando contraposta a penas mais graves como é o caso de uma pena privativa da liberdade, certifica, ao nível das consequências do crime, a menor gravidade deste o que constitui índice objetivo de não enquadramento do caso entre os de «maior merecimento penal». É certo que às pessoas coletivas não são aplicáveis – nem poderiam ser, pela própria natureza das coisas – penas privativas da liberdade. Mas são-lhes aplicáveis penas principais mais graves do que a pena de multa – a pena de dissolução (artigos 90.º-A, n.º 1, e 90.º-F do Código Penal). Ora, na norma em análise está apenas em causa a aplicação da pena principal de multa, exclusivamente pecuniária, e a impugnação da sua medida. Assim, o campo de aplicação da norma sob juízo é limitado a crimes que são efetivamente sancionados com a menos grave das sanções penais principais admitidas no ordenamento como aplicáveis a pessoas coletivas. A previsão da norma dirige-se a casos que ficam fora do âmbito do «maior merecimento penal» justificador do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. E sendo assim, sob pena de se tornar inviável a racionalização do sistema de recursos que não pode conviver com um número ilimitado de instâncias, inevitável será concluir que a defesa da arguida em casos como os que integram o campo de aplicação da norma sob escrutínio se tem de bastar com o duplo grau de jurisdição. Trata-se de uma opção que encontra cabimento ainda na margem de conformação que ao legislador ordinário assiste no âmbito da definição das decisões recorríveis, cujo resultado não se apresenta como des- proporcionado tendo em vista os fins prosseguidos pela norma e o âmbito de aplicação desta, confinado a condenações em pena pecuniária (multa) de entes jurídicos (pessoas coletivas suscetíveis de serem responsa- bilizadas criminalmente nos termos do artigo 11.º, n.º 2, do Código Penal). Na verdade, tal como se deixou consignado no Acórdão n.º 627/17, ponto 14: «Considerar excessiva a compressão do direito ao recurso que resulta da exclusão da faculdade de impugnação, perante uma outra instância, da medida concreta da pena de multa aplicada pelo Tribunal da Relação, significaria considerar constitucionalmente imperativo o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em todos os casos de revogação de uma decisão absolutória proferida em primeira instância e, portanto, também naqueles em que a condenação imposta em segunda instância é acompanhada da aplicação da sanção penal que, relativamente ao risco de privação da liberdade, apresenta o menor conteúdo aflitivo de entre todas as previstas no ordenamento. O que, diga-se por último, poria irremediavelmente em causa o próprio critério subjacente à definição do elenco das decisões recorrí- veis para aquele Supremo Tribunal: por razões que encontram suficiente amparo no próprio princípio constitucio- nal da proibição do excesso, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é tanto mais impreterível quanto mais intenso for o nível de afetação da liberdade implicado na sanção aplicada ao arguido recorrente». A restrição do direito de defesa da arguida pessoa coletiva, implicada na norma que veda o recurso da sua condenação em pena de multa aplicada em 2.ª instância, encontra, assim, justificação adequada, necessária e proporcional no propósito de limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, de modo a salvaguardar o seu eficaz funcionamento e, com isso, o direito a uma decisão judicial definitiva em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição). Por isso, respeitada a limitação indicada, conclui-se que não é a norma objeto do presente recurso cons- titucionalmente censurável. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma que prevê a inadmissibildade de recurso de acórdãos profe- ridos, em recurso, pelas Relações que, após decisão absolutória de 1.ª instância, condenem e apli-
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