TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

474 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de defesa, visto que o arguido continua a poder contribuir ativamente para a formação da decisão na parte respeitante aos factos provados através da faculdade de, nas contra-alegações que produzir em resposta ao recurso apresentado pelo assistente ou pelo Ministério Público, apresentar argumentos atinentes ao valor das provas produzidas e a convicção que elas lhe merecem de acordo com a sua apreciação da prova compilada nos autos. A via de defesa assim assegurada confina a faculdade do arguido influir no juízo decisório a uma inter- venção ex ante , vedando a impugnação do resultado de tal juízo depois de produzido e conhecido. Uma tal restrição representa, no entanto, uma consequência inerente à limitação do número de instâncias de recurso que tende a reservar o acesso à instância superior para conhecimento exclusivo de questões de direito. No sistema de recursos em processo penal o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusi- vamente o reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP), ressalvando-se apenas os casos de verificação dos vícios enunciados nos n. os 2 e 3 do artigo 410.º do CPP, casos considerados especiais, de vícios manifes- tos e notórios (como o erro notório na apreciação da prova, a contradição insanável na fundamentação ou a insuficiência da matéria de facto para a decisão), que justificam uma «revista alargada» por parte do Supremo como exigência mínima da necessidade de despistar os erros mais graves em sede de matéria de facto. A regra é, contudo, a limitação do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça à matéria de direito pelo que a restrição do direito ao recurso respeitante à matéria de facto que vem implicada na norma em aná- lise não constitui exceção. Trata-se, afinal, da concretização possível da limitação dos graus de recurso baseada em fundamento razoável e não arbitrário e que não implica um sacrifício desproporcionado dos direitos da arguida pessoa coletiva que vem a sofrer condenação em pena de multa, sanção de natureza pecuniária (por contraposição a penas privativas da liberdade), diante da possibilidade que teve de expor a sua visão da prova produzida nas contra-alegações que apresentou. 15. Para além da decisão da matéria de facto, a decisão condenatória da Relação que reverte a absolvição da primeira instância contém ainda, todavia, necessariamente uma parte inteiramente nova relativamente à decisão recorrida, designadamente no que respeita ao enquadramento jurídico dos factos e à escolha e deter- minação da medida da pena. No que respeita à qualificação jurídica do acervo factual, trata-se de matéria de direito que pode sempre ser cautelarmente antecipada pela defesa como resultado da apreciação da prova, permitindo à arguida, na contra-motivação que apresentar ao recurso, alegar o que entender por relevante a propósito dos elementos típicos da infração que lhe é imputada na acusação. Desta forma, pode ainda con- tribuir ativa e proficuamente na construção do juízo decisório final. Diferentemente, a parte da decisão condenatória referente às consequências da infração implica sempre uma valoração assente num critério de doseamento da medida da pena que à arguida só é revelado com a sua condenação. Nas contra-alegações que produzir, a defesa poderá sempre, cautelarmente, discorrer sobre as consequências do crime tendo em conta o regime legal concretamente aplicável que decorre dos artigos 47.º, n. os 1 e 2, e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal, mas uma tal alegação nunca passará de uma análise hipotética fortemente condicionada pelo total desconhecimento do critério judicial que vier a ser adotado na parte decisória da sentença que, constituindo embora estruturalmente aplicação do direito, não deixará de relevar sempre uma forte componente de subjetividade do julgador. Portanto, é nesta parte da decisão proferida em 2.ª instância que reside a compressão mais acentuada do direito de defesa da arguida ao ser-lhe vedada a possibilidade de interposição de recurso para uma terceira instância, tanto mais por se tratar de matéria de direito, que integra a competência regra do Supremo Tribu- nal de Justiça. É, por conseguinte, a este grau de compressão que importa atender especialmente na análise da proporcionalidade da solução legal consagrada tendo em vista a racionalização do sistema. 16. Vejamos então que limitações para a defesa da arguida, referente à escolha e medida da pena, decor- rem da impossibilidade de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça da condenação em pena principal de

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