TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

472 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL seu direito ao recurso, levando à sua total ablação. Estando em causa uma pena de privação da liberdade, essa solução é manifestamente excessiva. Nesse sentido, é inconstitucional por violar o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.» 11. Patente é, assim, a relevância decisiva que foi dada, no Acórdão n.º 429/16, à natureza da pena que estava em causa na condenação proferida pelas Relações. Como o Tribunal tem também entendido, o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição consagra o direito de recorrer de decisões condenatórias e de atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido. A inclusão no «conteúdo essencial das garantias de defesa» deste direito de recurso resulta, assim, da jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. os Acórdãos n. os 8/87, do Plenário, pontos 5 a 7, 31/87, 2.ª Secção, ponto 7, 265/94, 1.ª Secção, ponto 7, 30/01, 1.ª Secção, ponto 7, 189/01, 1.ª Secção, ponto 6, 235/10, 1.ª Secção, ponto 8, e 107/12, 3.ª Sec- ção, ponto 3). Tratando-se de uma condenação em pena de prisão efetiva, em que está em causa o «valor da liberdade», a «ausência absoluta de controlo sobre o processo decisório de escolha e determinação da medida da pena» implica que a «parte da decisão com maior potencial de lesão dos direitos fundamentais do arguido fique à margem do recurso, sendo aceite como livre de qualquer controlo» (vide Acórdão n.º 429/16, ponto 19). Em tais circunstâncias a compressão do conteúdo do direito ao recurso traduzida na impossibilidade de impug- nar as consequências jurídicas do crime impostas na primeira decisão condenatória proferida não pode deixar de representar um «sacrifício dos direitos fundamentais do arguido» de tal ordem que não encontra já fun- damento suficiente no propósito em si legítimo de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. 12. No presente processo, como já se referiu, a norma sub judice é distinta da que era objeto de fiscali- zação no Acórdão n.º 429/16. Está em causa o direito ao recurso de uma condenação em pena não privativa da liberdade, mais concretamente, em pena de multa proferida por um tribunal de 2.ª instância em reversão de um juízo de absolvição resultante do julgamento de 1.ª instância. Não está em causa a aplicação pela Relação de qualquer pena privativa da liberdade, o que, de resto, nem seria possível, dada a natureza de pessoa coletiva da arguida. Efetivamente, embora em regra só as pessoas sin- gulares sejam suscetíveis de responsabilidade criminal, existem casos de responsabilidade criminal de outros entes jurídicos especialmente previstos na lei (artigo 11.º, n.º 1, do Código Penal). A responsabilização cri- minal das pessoas coletivas respeita, assim, apenas a um número limitado de crimes definidos de acordo com o critério do legislador. Independentemente da razão que terá estado na delimitação da escolha feita pelo legislador, no respeito pelo princípio da legalidade apenas aqueles crimes tipificados na lei fazem incorrer em responsabilidade penal os entes jurídicos pessoas coletivas. A pena de multa constitui, a par da pena de dissolução, um tipo de pena aplicável às pessoas coletivas pela prática de crimes pelos quais são penalmente responsáveis nos termos do artigo 11.º, n.º 2, do Código Penal. Diante da natureza da sanção resultante da condenação proferida em 2.ª instância, a que alude a norma sob escrutínio, o que importa, então, analisar é se a limitação ao direito de recorrer para uma terceira ins- tância (o Supremo Tribunal de Justiça) será uma solução tolerada pela Constituição, designadamente por se apresentar como proporcionada à prossecução do interesse reconhecido na racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Como o Tribunal Constitucional tem também afirmado «muito embora se aceite que o legislador possa fixar um limite acima do qual não é admissível um terceiro grau de jurisdição, preciso é que “com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido”, devendo a limitação dos graus de recurso ter “um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado ”» (vide Acórdão n.º 324/13, do Plenário, ponto II.3, itálico aditado, citando o Acórdão n.º 189/01, 1.ª Secção, ponto 7). Na linha do que acima se deixou já referido, enquanto expressão autónoma que é das garantias de defesa do arguido, o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição impõe ao legislador a adoção de soluções na definição dos graus de recurso que, para além de justificadas por valores relevantes e dignos de proteção, não limitem de

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