TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
466 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, A., S.A., ora recorrente, foi condenada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de junho de 2016, como autora do crime de desobediência qualificada, previsto e punível pelos artigo 11.º, n.º 2 e 348.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 100, julgando procedente o recurso interposto pelo assistente B. e, em consequência, alterando a decisão de primeira instância que absolvera a arguida. Inconformada, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido por despacho proferido pelo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa. Ainda inconformada, reclamou desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo a reclamação sido indeferida. Por fim, recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), sendo recorridos o Ministério Público e B.. 2. É o seguinte o teor decisão recorrida, na parte que aqui releva: «1 – Movemo-nos no âmbito dos recursos, cujas normas, no essencial dispõem sobre a competência em razão da hierarquia. A alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal estabelece que o STJ é competente para conhecer os recursos das deliberações das Relações, nos termos do artigo 400.º do CPP. Mas a alínea e) do n.º 1 deste último preceito, estabelece que não é admissível recurso de «acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos». O acórdão questionado aplicou uma pena de multa; logo não privativa da liberdade, cabendo assim na previsão do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP. O recurso não é, assim, admissível [artigos 432,º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP], tal como foi decidido. 2 – A reclamante suscita a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP, por violação do artigo 32.º, n. os 1 e 5 e 20.º (quando se exige um processo equitativo), da CRP. Mas sem razão. O direito ao recurso não é absoluto, sobretudo nos casos em que a questão já foi apreciada em duas instâncias. E cada vez mais se acentua a tendência para considerar o Supremo Tribunal de Justiça com vocação de Juízo de revista tendo como escopo primeiro uniformizar jurisprudência. Por outro lado, o direito ao recurso, garantido como direito de defesa no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, basta-se com um grau de recurso, ou segundo grau de jurisdição, já concretizado aquando do julgamento pela Relação, independentemente desta manter ou alterar o decidido na 1.ª instância tendo em conta que perante a Relação a arguida teve a possibilidade de expor a sua defesa; a admitir-se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, estar-se-ia a garantir um triplo grau de jurisdição, o que a Constituição não impõe. E o regime de admissibilidade dos recursos para o STJ, por si mesmo, é inteiramente estranho à estrutura acusatória do processo criminal nem tem rigorosamente a ver com o princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, da CRP). A estrutura acusatória e o contraditório são princípios do processo penal, da posição dos sujeitos processuais e dos respetivos direitos na discussão da causa que, como tais, não são nem podem ser afetados pela simples regra de admissibilidade ou de inadmissibilidade de um recurso.
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