TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
464 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – Apesar de, em processo criminal, a dedução da acusação pressupor sempre a possibilidade de ser proferi- da uma decisão de condenação, a substituição de uma sentença absolutória por uma sentença condena- tória não representa uma simples reversão do resultado decisório, pois a irrecorribilidade da decisão con- denatória veda a possibilidade de o arguido ver sindicada por um tribunal superior a apreciação da prova assumida pela Relação que, em via de recurso, conduziu à sua condenação; todavia, o arguido continua a poder contribuir ativamente para a formação da decisão na parte respeitante aos factos provados através da faculdade de, nas contra-alegações que produzir em resposta ao recurso apresentado pelo assistente ou pelo Ministério Público, apresentar argumentos atinentes ao valor das provas produzidas e a convicção que elas lhe merecem de acordo com a sua apreciação da prova compilada nos autos. IV – Embora a via de defesa assim assegurada confine a faculdade do arguido influir no juízo decisório a uma intervenção ex ante , vedando a impugnação do resultado de tal juízo depois de produzido e conhecido, uma tal restrição representa uma consequência inerente à limitação do número de ins- tâncias de recurso que tende a reservar o acesso à instância superior para conhecimento exclusivo de questões de direito, tratando-se da concretização possível da limitação dos graus de recurso baseada em fundamento razoável e não arbitrário e que não implica um sacrifício desproporcionado dos direi- tos da arguida pessoa coletiva que vem a sofrer condenação em pena de multa, sanção de natureza pecuniária (por contraposição a penas privativas da liberdade), diante da possibilidade que teve de expor a sua visão da prova produzida nas contra-alegações que apresentou. V – Todavia, para além da decisão da matéria de facto, a decisão condenatória da Relação que reverte a absolvição da primeira instância contém ainda, necessariamente, uma parte inteiramente nova relati- vamente à decisão recorrida, designadamente no que respeita ao enquadramento jurídico dos factos e à escolha e determinação da medida da pena; no que respeita à qualificação jurídica do acervo factual, trata-se de matéria de direito que pode sempre ser cautelarmente antecipada pela defesa como resultado da apreciação da prova, permitindo à arguida, na contra-motivação que apresentar ao recurso, alegar o que entender por relevante a propósito dos elementos típicos da infração que lhe é imputada na acusação podendo ainda, desta forma, contribuir ativa e proficuamente na construção do juízo decisório final. VI – Diferentemente, a parte da decisão condenatória referente às consequências da infração implica sempre uma valoração assente num critério de doseamento da medida da pena que à arguida só é revelado com a sua condenação, e embora a defesa possa sempre, nas contra-alegações que produzir, cautelarmente, dis- correr sobre as consequências do crime tendo em conta o regime legal concretamente aplicável, uma tal alegação nunca passará de uma análise hipotética fortemente condicionada pelo total desconhecimento do critério judicial que vier a ser adotado na parte decisória da sentença; é nesta parte da decisão profe- rida em 2.ª instância que reside a compressão mais acentuada do direito de defesa da arguida ao ser-lhe vedada a possibilidade de interposição de recurso para uma terceira instância, tanto mais por se tratar de matéria de direito, que integra a competência regra do Supremo Tribunal de Justiça. VII – Ao nível da possibilidade de influenciar a escolha da pena não é possível identificar qualquer efeito restritivo na defesa da arguida, pois tendo a sanção sido concretizada numa pena de multa, não se vislumbra interesse da arguida em contestar a escolha da espécie da sanção aplicada – a pena de multa é a mais favorável das penas principais aplicáveis a pessoas coletivas; não implicando a exclusão da faculdade de reagir contra uma escolha desfavorável da espécie de pena principal a aplicar, a norma em apreciação apenas pode pôr em causa a sindicabilidade do juízo subjacente à determinação da medida concreta da pena de multa, traduzida na dupla vertente da determinação do número de dias
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